Temas como aborto,
terrorismo, eutanásia e discriminação de gays serão analisados
BRASÍLIA - Numa
tentativa de promover a mais abrangente reforma do Código Penal, a
Comissão Especial do Senado criada para analisar o assunto vai
propor mudanças substanciais em temas tabus como aborto, terrorismo,
eutanásia, ortotanásia, crimes cibernéticos, discriminação de
gays e jogo do bicho, entre outros delitos. Uma das ideias da
comissão é ampliar os casos em que o aborto é legal. Hoje, a
interrupção da gravidez só é permitida em casos de estupro ou
risco de morte da gestante.
A sugestão da comissão
é incluir na relação casos graves e irreversíveis de anomalias
físicas e mentais. Com isso, estaria dentro da lei o aborto de fetos
anencéfalos. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a discutir
essa questão em 2004 e até hoje não conclui se este tipo de aborto
se enquadra ou não nos ditames da Constituição.
- Vamos tratar de todos
os assuntos, mesmo aqueles considerados tabus - disse o presidente da
comissão, Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ).
A comissão proporá
ainda a tipificação do terrorismo. Alguns setores do governo
resistem à criação desse tipo penal. Alegam que abriria brecha
para criminalização de movimentos sociais como MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra), entre outros. Para contornar o
problema, a comissão incluiu no artigo algumas ressalvas. Uma delas
diz que não podem ser classificadas terroristas "condutas de
pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios desde
que compatíveis com sua finalidade".
Dipp diz que o país
está se preparando para três grandes eventos, a Copa das
Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e, por isso, não
pode prescindir de legislação especial antiterrorismo. Ele lembra
que entre os futuros visitantes estarão vítimas de ataques
terroristas como EUA, Inglaterra e Espanha. Ou seja, o país teria de
preparar leis locais para responder à altura a eventuais ameaças. A
proposta da comissão é tipificar o terrorismo e o financiamento de
grupos terroristas:
- Como fazer uma
política para os grandes eventos, se não temos o tipo penal de
terrorismo? Existe hoje a Lei de Segurança Nacional, mas ninguém
vai ressuscitar essa lei. Temos de criar lei específica para o
terrorismo.
Redução de pena para
eutanásia
A comissão propõe
também a redução das penas previstas para a eutanásia (indução
à morte de um paciente em estado terminal). Hoje, isso é
considerado homicídio comum, punido com até 20 anos de prisão. A
palavra "eutanásia" nem aparece no Código Penal. Pelo
anteprojeto da comissão, a eutanásia permanece classificada como
homicídio, mas com punição reduzida para três a seis anos. Na
prática, a lei diminuiria o estigma da eutanásia e tornaria mais
remota a prisão de um médico que, por compaixão, abrevia a vida de
um paciente.
Na mesma linha, a
ortotanásia (suspensão de tratamento para manter a vida de um
paciente por meios artificiais) deixará de ser crime. Hoje, a
ortotanásia é considerada homicídio e pode ser punida com até
seis anos de prisão. Pelo anteprojeto da comissão, deixaria de ser
crime, e médicos poderiam "desligar tubos" da vida
artificial. Bastariam o consentimento prévio do paciente ou
responsável e o atestado de pelo menos dois outros médicos.
A comissão pretende
pôr fim também à Lei da Contravenção e, com isso, acabar com a
ambiguidade do jogo do bicho e atividades afins, como a exploração
de máquinas caça-níqueis. Hoje é ilegal, mas não é crime. Pelo
anteprojeto, a exploração do jogo do bicho e de caça-níqueis
passaria a ser tipificada como crime. A responsabilidade criminal
seria estendida aos donos dos jogos e aos funcionários das casas.
Para Dipp, os jogos não são tão inocentes quanto alguns acreditam:
- Jogo do bicho e
caça-níqueis estão conectados com outros crimes mais graves, como
lavagem de dinheiro, corrupção, contrabando e tráfico.
A comissão também
espera pôr fim às nuances da legislação sobre o preconceito
contra gays. A proposta é deixar claro no Código Penal que
homofobia é crime e pode ser punida de forma severa, como racismo ou
qualquer agressão física ou verbal.
A comissão vai propor
o aumento de um sexto para um terço do prazo mínimo para progressão
de penas de condenados por crimes hediondos. Há consenso na comissão
de que presos condenados por crimes graves estão saindo muito cedo
das prisões com a atual lei de progressão de pena.
O anteprojeto prevê a
criação de um tipo penal específico para organização criminosa.
Hoje, pessoas que se juntam para cometer crimes são enquadradas em
formação de quadrilha, crime punido com até quatro anos de prisão.
Com a mudança de nomenclatura, a associação para fins ilegais se
tornaria crime grave, a ser punido com penas mais altas. Um caso
típico, lembra Dipp, é o mensalão: o Ministério Público aponta a
existência de uma organização criminosa, mas não indicia os
acusados por formação de quadrilha.
A comissão decidiu
tipificar os chamados crimes cibernéticos. Uma corrente no Direito
entende que eles já estão contemplados no Código Penal. A
diferença estaria no uso da internet como ferramenta para o crime.
Para a comissão, a lei não tem sido suficiente, e seria preciso
torná-la mais específica. Os integrantes da comissão ainda não
definiram os detalhes do novo crime.
Com 16 procuradores,
juízes e advogados, entre outros, a comissão foi criada em setembro
do ano passado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a
partir de pedido do senador Pedro Taques (PDT-MT). O anteprojeto de
reforma deve ser concluído em maio e apresentado ao Senado para
discussão nas comissões. Para Dipp, é a mais importante tarefa no
Legislativo este ano:
- O Código Penal é o
código de conduta de uma sociedade. Diz o que é crime e o que não
é. É o que mais mexe com os brios do cidadão.
Da Agência OGlobo
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assunto em
http://oglobo.globo.com/pais/comissao-especial-do-senado-vai-propor-mudancas-no-codigo-penal-3598649#ixzz1iz8P1hum