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DO CRIME DE ESTUPRO NA TIPIFICAÇÃO DA LEI Nº 12.015/09 ? NOVATIO LEGIS IN MELLIUS?

Moacir Martini de Araújo


Desde o início do mês de agosto o nosso Código Penal sofreu mais uma alteração no seu título VI, que dispunha sobre os crimes contra os costumes.
Inicialmente, já se verifica que o próprio "nomen júris" do título, foi modificado para "crimes contra a dignidade sexual", mudança esta salutar eis que, trouxe o nosso diploma legal mais próximo do princípio da dignidade da pessoa humana.
Em uma sociedade pós-moderna, caracterizada pelo fenômeno da sociedade do risco, sociedade de massas e estabelecida na égide de um Estado Democrático de Direito, não tinha sentido falarmos em crimes contra os costumes. Afinal, que costumes seriam esses se o indivíduo tem liberdade de escolha?
Assim sendo, tratar tal título como, crimes contra a dignidade sexual, traz à baila a questão do bem ambiental eis que a prática sexual (ou o desejo de não praticá-lo) está contido no conceito de piso vital mínimo, instituto esse conceituado pelo professor doutor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, como sendo a combinação dos artigos 1º, inciso III com o artigo 6º, todos da Constituição Federal[1].
Contudo, em que pese a existência de muitos pontos polêmicos na neófita lei, trataremos, no presente trabalho apenas da questão do estupro.
O artigo 213 da lei em comento dispõe sobre o crime de estupro, conceituando-o da seguinte forma: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos"
De plano, verifica-se que o novo crime funde os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, anteriormente previstos na legislação pátria, tanto se afirma que a novel lei revogou expressamente o artigo 214, para que não pairasse dúvidas em relação a intenção do legislador.
A objetividade jurídica continua sendo a liberdade da dignidade sexual, porém, em relação aos sujeitos, agora, trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por homem ou mulher e, ter como vítima, qualquer ser humano.
Importante asseverar que, o legislador efetivou o princípio constitucional da isonomia com essa alteração pois, anteriormente, se a mulher constrangesse o homem a manter com ela conjunção carnal a mesma não responderia por atentado violento ao pudor pois aquele tratava de ato libidinoso diverso da conjunção carnal e a antiga conceituação do estupro só previa a mulher como sendo sujeito passivo do tipo. Restava, subsidiariamente, ao exemplo em tela, o crime de constrangimento ilegal tipificado no artigo 146 do Código Penal, cuja pena é bem inferior ao crime de estupro.
Em relação aos elementos objetivos do tipo, pois nada mudou, continua sendo núcleo do tipo o "constranger" que significa coagir, forçar a fazer algo, mediante violência ou grave ameaça, alguém (homem ou mulher), a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Dessa forma, resta cristalino que houve a fusão dos crimes sexuais anteriormente previstos em tipos distintos.
O elemento subjetivo, ainda, continua sendo o dolo específico (fim sexual), em que pese parte da doutrina, ainda, sustentar a necessidade do dolo genérico.
A consumação se dá de duas formas distintas, a saber: na hipótese de conjunção carnal, com a introdução, ainda que parcial, do membro no órgão sexual, sem a necessidade de ejaculação; na hipótese de ato libidinoso diverso, com a satisfação da lascívia.
De acordo com o caso concreto a conduta, em regra, será plurissubsistente, razão pela qual resta admissível à tentativa.
Nos parágrafos 1º e 2º estão contidas qualificadoras do crime de estupro e em razão do disposto no artigo 225 do Código Penal trata-se de crime de ação pública condicionada à representação em regra[2].
Em que pese às inovações extremamente relevantes da nova roupagem do crime de estupro, o legislador no afã de tratar com maior rigor os crimes sexuais, posto que o nosso Congresso Nacional, de certa forma impulsionado por parte da mídia que possui um extremo senso sensacionalista, não esconde que, ao invés de adoção de políticas públicas de educação, moradia, saúde, saneamento, alimentação que demandariam tempo (e não ganhariam votos), prefere aderir ao chamado Direito Penal de Emergência e "tipifica tudo".
Contudo, no que tange ao crime de estupro acabaram por dar "um tiro no pé" pois ao "fundir" as condutas suso mencionadas, caso o agente no mesmo contexto fático pratique conjunção carnal e outro ato libidinoso qualquer, responderá apenas pelo crime de estupro, tendo em vista a aplicação do princípio da alternatividade, diretriz essa inerente aos tipos alternativos mistos, também conhecidos como crimes de conduta variada, tipo de conteúdo variado.
Até a vigência da nova lei, caso o agente praticasse, por exemplo, conjunção carnal e felatio ori com a mesma vítima, em que pese a doutrina permitisse diversos entendimentos, prevalecia na jurisprudência que se tratava de concurso material entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, submetendo o mesmo a uma pena mínima de 12 (doze) anos, haja vista que antes da alteração os dois delitos tinham a pena mínima de 6 (seis) anos.
Agora, o mesmo caso demanda entendimento distinto eis que, todas as condutas estão subsumidas no mesmo tipo, devendo o juiz analisar o contexto criminoso apenas à luz das circunstâncias judiciais. Porém, caso entenda que a pena deve ser majorada não poderá ultrapassar o máximo legal que atualmente é de 10 (dez) anos de reclusão[3].
Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XL que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", preceito este ecoado, também, no Código Penal, artigo 2º, parágrafo único.
Assim, entendemos que aos condenados pela pratica das condutas descritas nos artigos 213 e 214 do Código Penal em concurso de crimes, cabe a adequação de suas respectivas penas nos termos acima propostos (Lei de Execuções Penais, artigo 66, inciso I) por se tratar de nova lei penal mais benéfica ao agente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em 04 out. 2009.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execuções Penais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm. Acesso em 04 out. 2009.
BRASIL. Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Disponível em: . Acesso em 04 out. 2009.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 231. A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=151. Acesso em 05 out. 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=12015&processo=4301. Acesso em 05 out. 2009.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. ampl. - São Paulo: Saraiva, 2005.
RAMOS, Elisa Maria Rudge. Estupro e atentado violento ao pudor: crime continuado ou concurso material?. notícia LFG em 12.03.09. Disponível em: . Acesso em 05 out. 2009.

[1] Conceito extraído do Professor Doutor Celso Antônio Pacheco Fiorillo em sua obra Curso de Direito Ambiental. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. ampl. - São Paulo: Saraiva, 2005.
[2] Existe a ADIN 4301-3 intentada com medida liminar pelo PGR visando à declaração da inconstitucionalidade da nova redação do artigo 225 do Código Penal, tendo sido distribuída ao Ministro Joaquim Barbosa.
[3] Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.


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DOS CRIMES ECONÔMICOS SOB OS AUSPÍCIOS DO PODER, MODERNIDADE E RAZÃO

Moacir Martini de Araújo


1. DO INTRÓITO

O presente artigo visa à reflexão sobre o bem jurídico penalmente tutelado nos crimes econômicos e sua concepção estrutura, não sob a ótica jurídica propriamente dita, mas sim, em relação aos quesitos: poder, modernidade e razão.
No mundo em que vivemos, sem harmonia, num plano em constante transformação deparamo-nos, ainda hoje, com poucas reflexões diante de um tema tão atual e comentado pelos diversos setores eis que, de suma importância para a manutenção da dignidade da pessoa humana.
Ao longo dos anos muita coisa mudou, não obstante esteja muito aquém do que ainda deva ser alterado, porém, resta claro que o legislador já avançou no sentido de se estabelecer alguma proteção jurídica.
Não há que se negar que antes do período classificado pelos filósofos como período da pós-modernidade, os delitos econômicos em geral eram analisados sob a ótica do arcaico e conservador Direito Administrativo.
No entanto, nos dias atuais, em que pese existam questionamentos em relação à plausibilidade ou não da tutela penal aos crimes econômicos, mais especificamente os crimes contra a previdência social, conforme iremos explicitar, resta cristalino que diante do fenômeno da sociedade de massa, inerente ao período filosófico acima mencionado, de rigor a criminalização dos mesmos.


2. DO PODER COMO FORMA DE CONTROLE NA SOCIEDADE DE MASSAS

Desde o início dos tempos, pelo que se depreende do estudo da origem das civilizações, constata-se que o homem foi de certa forma, "levado" a unificação com outros que possuíam certa afinidade, na busca de um fim comum. Tal constatação embasou a teoria do pacto social de Russeau e é o fundamento dado pelos estudiosos para o início do Estado.
Existem outras teses sobre o tema, mas de certa forma todas têm algo em comum: visam à centralização de um ente que deterá o "poder" em relação aos subordinados que vivem naquele determinado território.
Dentre os diversos significados que a palavra "poder" possui podemos citar alguns: autoridade, faculdade, razão, dispor de força, vigor, potência, etc.. 
Assim, o Estado passa a exercer essa dominação frente aos administrados, mas para isso precisava legitimar-se. Para tanto, ab initio, socorreu-se da força e, em um segundo momento, do poderio econômico. Tanto isso é verdade, que o detentor do poder o detinha diante de toda a riqueza que a sua família possuía.
A mudança dessa concepção começa a partir do momento em que o clero, que também possuía recursos, passa a possuir interesses contrapostos ao reino.
Importante destacarmos que nesse momento que a concepção de Estado, era de que o rei era o Estado, e não havia uma distinção de objeto entre eles, razão pela qual, o homem trabalhava em prol do rei, que por sua vez era o Estado.
Essa visão de poder sofreu mutações, conforme salientado alhures, posto que a partir do momento em que a parte abastada da sociedade passa a constatar que o Estado serve para centralizar as atividades que servirão para a estruturação harmônica de todos os habitantes daquele lugar, e não somente do rei. Sendo o rei, o Estado, não pode simplesmente praticar atos em prol de si mesmo, mas sim a favor da coletividade como um todo.
É evidente que, quando nos referimos à coletividade, estamos falando dos membros da nobreza, pois, como já comentado, quem tinha posses, tinha voz, ficando, portanto, o povo segregado de seus pares, inobstante conviventes do mesmo território.
Pari passu ao acima exposto, importante esclarecer, também, que nesse período o homem também buscava um controle do Estado, ou melhor, buscava restringir os poderes do Estado diante de seus administrados. Nascendo, assim, o ideal de liberdade pública que, posteriormente, fora batizado como direitos fundamentais de primeira geração.
Mister se faz consignar que, depois dessa há outras duas fases de direitos fundamentais a saber: os direitos sociais e os direitos de fraternidade, muito embora existam doutrinadores que sustentam a existência de uma quarta e quinta gerações. 
Notem que, como não poderia deixar de encartar a visão européia, a doutrina elenca essas três gerações com enfoque nos ideais da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).
Contudo, como não podemos deixar de esclarecer, o poder é a essência de tudo, pois na sua falta, não haveria legitimidade para agir, pois, sem ele, não se tem legitimidade para fazer nada. Trata-se de um atributo perseguido pelo ser a todo instante.
Salvo, raríssimas exceções, desde criança verificamos a busca do indivíduo pelo poder. Se retroagirmos a análise ainda mais profunda, verificaremos que até no momento da concepção da vida, há disputa entre os espermatozóides que buscam o poder, aptidão, para a formação do ser. 
Entretanto, mesmo o homem sendo individualista em um primeiro momento, busca ?se o poder na coletividade para que o todo o proteja, ou seja, temendo ataques externos de outras tribos ou Estados, se analisarmos mais adiante na história, ou seja, o Estado busca a sua preservação na natureza.
Essencial também esclarecermos que, além da força e do poderio econômico, outros fatores serviram ao longo da história para definir quem detinha o poder sobre quem, porém, todas giram em torno da economia.
Para tanto, basta analisarmos os dias atuais. Se refletirmos sobre a nossa histórica recente, chegaremos à conclusão de que o poder pertenceu àqueles que despontaram intelectualmente, a partir de invenções, experiências, etc. e também os detentores da informação, pois, quanto mais verossímil e rápida a informação, mais eficaz é o Estado. 
Contudo, todas essas fórmulas giravam e ainda giram em torno daqueles que possuem o poder econômico até porque, sem verba não há experiência e, portanto, não há desenvolvimento do intelecto e nem se tem, informação, pois para tudo há um custo!
Investigando mais profundamente notaremos que a própria existência de blocos econômicos tais como a União Européia e o MERCOSUL, que surgiram para combater o poder quase absoluto dos Estados Unidos da América, observem que, países que possuem certa rivalidade acabam se unindo em prol de um bem maior.
Outro exemplo que podemos destacar é o caso da China, país esse que mais cresce economicamente no mundo. Claro que esse crescimento decorre de diversas violações aos direitos fundamentais de seu povo, mas como eles detêm o poder ninguém intercede em sua política pública interna.
Certamente os senhores devem estar indagando sobre os países que estão no Oriente Médio. Ora, esses países, possuem farta riqueza natural (petróleo) porém, nesse caso houve interferência, como no episódio da Guerra do Iraque. O então, presidente George W. Bush, na época, suscitou a existência de armas químicas de destruição em massa para justificar a invasão, sendo que, posteriormente, verificou-se a inexistência de tal armamento.
Nesse caso, o tratamento foi diferenciado muito provavelmente por questões de logística, ou seja, a China é uma potencia em razão da produtividade de seu povo que trabalha em condições análogas a de escravo para produzir muito e em pouco tempo e a custos baixíssimos, o que prejudica e muito a concorrência.
Já os países como o Iraque que não possuem produtividade acentuada, a sua riqueza é mineral, logo, não sofrerá interferência em sua produtividade, na hipótese de invasão estrangeira. Podemos definir tal situação como sendo análoga à vivenciada pelo Brasil-Colônia, que fora explorado por Portugal, tendo o mesmo retirado de nosso território quase que todo pau-brasil.
Adrede ao acima exposto, em relação aos direitos fundamentais do ser, a partir da metade do século passado, onde o mundo iniciou o seu processo de democratização posto que, a maior parte dos governos ditatoriais começaram a perder espaço para o regime democrático do Estado, percebemos, assim, que o legislador mudou o seu enfoque, objetivando muito mais os direitos pertencentes à categoria difusa do que a individual e coletiva.
Trata-se de bens de uso comum do povo, indispensáveis a sadia qualidade de vida que pertencem a toda a coletividade. Podemos citar como exemplos o meio ambiente, o direito do consumidor, a segurança pública, a ordem econômica, etc..
O Estado também exerce o seu poder sobre tais bens, porém como uma espécie de síndico, pois, tem o dever de apenas administrá-los uma vez que a sua propriedade não pertence a um ente em particular.
Inobstante essa conceituação, o poder faz com que o Estado coloque os seus tentáculos inclusive na execução de políticas públicas que disciplinam tais bens.
Na verdade, analisando a questão à luz do capitalismo selvagem que vigora nos países ocidentais, quem detém o poder, detém a essência de tudo.
Destarte, o mundo ocidental, na égide dos direitos difusos se vê dependente do equilíbrio de diversos setores da economia para que a "roda da fortuna" continue a girar e mantêm as pessoas na busca de sua felicidade. Justamente por isso que o Estado se vê na obrigação de normatizar o funcionamento da estrutura econômica do país e, para viabilizar, a obediência dessas normas necessita das ciências criminais, mais precisamente do Direito Penal para coagir os administrados a obedecerem o ordenamento jurídico respectivo.
Claro que aqui não discutiremos a natureza científica ou não do Direito neste trabalho eis que para alguns doutrinadores o Direito não seria ciência, mas mera forma de imposição do Estado frente aos seus administrados.
O poder, por si só, não consegue fundamentar a criminalização dos crimes econômicos, porém, é o pilar fundamental e só existe porque há um Estado com legitimidade para aplicá-lo e, para tanto, imprescindível o seu poder.

3. DA CRIMINALIDADE BRANCA NA MODERNIDADE

Agora que conseguimos enquadrar epistemologicamente a existência do Direito, mais especificamente do penal, para o fim de fazer valer as normas impostas pelo Estado, devemos nos centrar no momento jusfilosófico vivenciado pelos homens para uma análise sólida sobre as legislações atuais.
Os filósofos contemporâneos divergem quanto ao momento atualmente vivenciado pela sociedade. Para uns, estamos na modernidade, desde o início do século passado, tendo o seu marco a partir do desenvolvimento industrial e tecnológico da sociedade. Já para outros, a partir do fim da última grande guerra já passamos para a pós-modernidade. 
Independentemente da nomenclatura aplicada, a verdade é que a nossa sociedade atual pensa raciocina e executa os seus planos de forma distinta das sociedades anteriores.
Da antiguidade até o período moderno poderíamos classificar a sociedade como sólida, pois, ela se comporta como tal à medida que age e raciocina de forma pré-determinada. Ela não muda! Atua com comodidade em todos os aspectos.
Na sociedade, o Estado prevalece eis que, o ser deve trabalhar, estudar e dedicar-se aos fins do Estado e não o contrário.
Já, a modernidade, é caracterizada por sua fluidez que nos dizeres do professor Baumann "(...) é a qualidade de líquidos e gases" 
Na mesma linha de raciocínio, o mesmo filósofo diferencia fluidez de solidez da seguinte forma, ipsis litteris:
"O que os distingue (fluidez) dos sólidos, como a Enciclopédia britânica, com a autoridade que tem, nos informa, é que eles "não podem suportar uma força tangencial ou deformante quanto imóveis" e assim "sofrem uma constante mudança de forma quando submetidos a tal tensão". 
Essa é a melhor característica para definir o que vem a ser a modernidade, pois, nada se prende no tempo ou no espaço. As mudanças ocorrem constantemente.
A partir da II Guerra Mundial a sociedade encontra a necessidade de se desprender do Estado e, assim, encontra seu novo objetivo, o seu próprio EU.
Até então, levados pela própria idéia de poder o homem enveredava os seus esforços para a busca do bem comum, que por sua vez, era determinado pelo Estado. Tudo girava em torno do Estado pois, ele, em troca, iria proporcionar o bem de todos os administrados.
Essa visão estatal muda na modernidade onde o homem passa a olhar para si mesmo e buscar a sua própria felicidade e dessa forma, se possível, alcançar o bem comum do Estado.
Com essa emancipação o homem passou a buscar desenfreadamente os seus objetivos independentemente de preocupações com o Estado ou o próximo.
Assim sendo, com o surgimento da sociedade de massas advindo do crescimento demográfico combinado com os avanços da indústria, informática, tecnologia, medicina, ou melhor, das ciências em geral, o Estado passou a ter a necessidade de olhar com mais atenção as condutas ilícitas praticadas em detrimento de bens difusos, conforme mencionado alhures.
Na modernidade, com a globalização, os acontecimentos de um ponto qualquer do mundo podem abalar a estrutura do globo. Isso resta muito claro pelos acontecimentos que vivenciamos a todo instante, tais como: crise mundial causada por crime de especulação de banqueiros nos Estados Unidos da América, crescimento econômico na China, crise da Grécia que, por conseguinte, abala todos os países que compõem a União Européia, etc..
A modernidade tem a cara do capitalismo, tal qual estabelecido pelas grandes potencias ocidentais eis que, existe a busca ao lucro em detrimento de qualquer coisa. Claro que as legislações de todo mundo, como a nossa própria Constituição Federal, encartam princípios que tendem a abrandar essa interpretação, como por exemplo, o princípio do desenvolvimento sustentável, onde o Estado deverá observar se o ente privado no exercício de sua atividade de capital está a observar o piso vital mínimo do ser humano.
Contudo, em que pese existam tais entendimentos, a verdade é que esse princípio somente terá voz quando atingir a coletividade como um todo, pois, para o Estado, no frigir dos ovos, é o lucro.
Analisemos verbia gratia, o caso dos aparelhos celulares ou laptops, que anualmente necessitam de atualizações ou até mesmo serem trocados, em razão do avanço tecnológico. Nesse caso onde estaria o Direito do Consumidor?
No caso em tela, não há que se falar em violação aos direitos do consumidor pois o avanço tecnológico é bom para o Estado pois o evolui e ao mesmo tempo faz girar o capital da empresa, que por meio de pagamento de tributos, aumenta a arrecadação estatal. Vejam, também, que essa mudança é fruto da própria modernidade líquida, pois, como já mencionado, tudo muda, tudo é inconstante.
Assim, o poder legislativo das nações ocidentais passaram a se preocupar com a implementação de normas estruturantes de tais direitos de fraternidade (direitos difusos). Pari passu, passaram a regulamentar o Direito Penal na busca da melhor implementação de suas regras.
O Direito Penal em razão de sua fragmentariedade e mínima intervenção é perfeitamente viável para o exercício da coação estatal no adimplemento de suas diretrizes legais, porém, ao mesmo tempo, que é válido diante da fluidez da modernidade tem se demonstrado ineficaz para o combate aos crimes econômicos.
No caso da legislação brasileira, que se fundamenta nos lastros da civil Law esse tormento é maior ainda, pois, o nosso Direito ainda é fruto de ideologias que no máximo pertenciam a modernidade e, portanto, possuem traços sólidos, o que acaba por contrapô-lo a fluidez do mundo moderno.
Diante disso, os chamados operadores do Direito encontram-se numa posição de fragilidade diante da não efetividade do ordenamento jurídico pátrio.
Tal fato traz a sociedade uma idéia de impunidade que, por conseguinte, acaba respingando no aumento da criminalidade contra bens jurídicos diversos, tais como, os crimes contra o patrimônio, liberdade individual, vida, etc.. Observem como tudo gira em torno da estrutura filosófica de uma sociedade!
Aliás, em relação ao aumento da criminalidade, importante observar que, essa fluidez faz do homem um ser individualista à medida que busca de forma incessante a sua felicidade, mesmo que torne outras pessoas infelizes. A maior demonstração disso é o consumismo exacerbado que incide em nossa sociedade.
Tomemos como exemplo o caso do celular acima mencionado. O novo modelo de celular será a "menina dos olhos" do homem ocidental, assim como o tênis para o adolescente, que irá roubar, furtar ou até matar para conseguir o seu objeto de desejo.
Percebam como a própria vida humana foi colocada em segundo plano! Fato esse que é explicado pela criminologia moderna quando visa demonstrar o aumento da criminalidade juvenil.
Imperioso destacarmos que, isso não mudará de uma hora para outra, pois, trata-se de uma visão social, que é oriunda de toda uma civilização eis que, não se limita a um único país.
Voltando para a análise da criminalidade econômica no Brasil a lei que já ingressa no ordenamento jurídico, se mostra sem efetividade e ultrapassada.
Além disso, como os agentes que geralmente praticam tal infração penal são pessoas que pertencem ao "alto clero moderno" e, portanto, ajudam o Estado a se equilibrar na balança do mundo moderno, o próprio poder legislativo atribui penas ridículas e ineficazes para esse delito.
Quando sustentamos esse posicionamento, não queremos dizer que o legislador deveria atribuir penosas penas aos agentes, porém, ao menos atingir as finalidades da pena, ou seja, a prevenção e a retribuição. Infelizmente no caso brasileiro, assim como na maioria dos países europeus, ousamos a dizer que tais penas não atingem nem uma coisa nem outra.
Outro aspecto problemático na prevenção e combate aos crimes econômicos está na inexistência de tempo e espaço, decorrentes da fluidez.
Ao mesmo tempo que o homem se desprende de estigmas e dogmas estatais e ao mesmo tempo da noção de tempo e espaço, ele deixa em razão da busca de sua própria felicidade de preencher todos os espaços, ou seja, tendo em vista a individualidade que surge com a fluidez do homem moderno, ele deixa de ocupar todos os espaços que deveria. 
Dessa forma, ele acaba por deixar ao relento, aqueles que por impossibilidade não podem ter o que desejam em que pesem, também, querem o mesmo daqueles abastados eis que, o regime de formação educacional e de informação vende o consumismo cruel.
Assim verificamos que grande parte da criminalidade moderna tem origem nos rincões dos países pobres. Isso ocorre justamente pelo não preenchimento de todos os espaços. E tal ausência é decorrente justamente do fato daquele espaço não ser de interesse do homem moderno.
Finalmente, o último enfoque decorrente dessa modernidade líquida que iremos abordar no presente estudo, diz respeito ao trabalho.
O ser humano moderno busca no trabalho, não para auxiliar o Estado na busca de um mundo melhor, mas sim, para conseguir o que precisa para consumir e, assim, perfazer a sua felicidade plena, ao menos naquele momento.
Essa idéia agregada ao individualismo e a idéia de impunidade, também, proporcionam o aumento da criminalidade econômica, principalmente na área empresarial e, ainda mais, nos países subdesenvolvidos.
Tal fenômeno é oriundo da inexistência de credibilidade do cidadão em relação ao Estado, pois, ele paga os seus tributos, porém, não vê em troca uma educação de qualidade, moradia, saúde digna, segurança pública, etc..
Agora que situamos os aspectos criminológicos em relação ao poder e na modernidade, passaremos a analisá-los à luz da razão.


4. DA RACIONALIZAÇÃO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA

Nesses breves comentários acerca da estruturação do Estado na consecução de seus interesses, constatamos que o poder é a válvula matriz utilizada pelo Estado.
Pari passu,analisamos as características da modernidade e seus traços na atual legislação.
Fazendo apenas uma analogia partimos do ente estatal, abordamos o EU coletivo e agora passaremos a analisar o "ser" e o "agir" do EU individual.
Atrelada a evolução do significado do "poder" podemos dizer que o homem, conforme ratificado pelos filósofos Max Horkheimer e Theodor Adorno, passou a ser desmistificado, ou melhor, passou a voltar-se ao desenvolvimento de sua consciência e desprendimento dos dogmas que volviam a civilização na época.
Claro que em um primeiro momento tal desmistificação não alcançou a intromissão da igreja na concepção de Estado, porém com a modernidade verificamos que o ser obtém o seu integral esclarecimento, alcançando, assim, a iluminação.
Em sua obra "Eclipse da Razão", Max Horkheimer mais uma vez aborda a respeito do esclarecimento buscado e alcançado pelo homem na modernidade, porém, o faz a partir da racionalidade do ser.
Necessário consignar que não há um conceito pré-definido de razão e, portanto, de racionalidade, porém, podemos buscar a sua concepção a partir dos pensamentos dos mais diversos filósofos que contemplaram sob tal tema em determinado tempo da civilização.
Horkheimer classifica a razão como sendo objetiva ou subjetiva, sendo que na primeira o homem busca atingir a finalidade de sua existência, ainda que os meios não lhe sejam favoráveis. Já na razão subjetiva, o ser prioriza os meios (sempre favoráveis a ele) ainda que o fim coletivo não seja atingido.
Conforme salientado alhures, com a modernidade o ser esclarecido busca a dominação da natureza, porém, por seu impulso em tal fim excede os limites do viável e acaba dominando a si mesmo.
Assim, podemos dizer que, em consonância com a classificação apresentada por Horkheimer, na modernidade houve a superposição da razão subjetiva em relação a razão objetiva, o que justifica o individualismo e consumismos exarcebados tão marcantes nos países ocidentais modernos.
Buscando fundamento no filósofo grego Platão, em sua obra República, Max Horkheimer explicita que a razão objetiva, "(...) não enfoca a coordenação do comportamento e objetivos, mas os conceitos ? por mais mitológicos que estes pareçam hoje ? tais como a idéia do bem supremo, o problema do destino humano e o modo de realização dos fins últimos". Por outro lado "em última instância, a razão subjetiva se revela como a capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim determinado. 
Entretanto, em que pese o autor em comento critique a superveniência da razão subjetiva em relação à objetiva em nenhum momento ele sustenta que a razão objetiva deveria prevalecer. Na verdade, há a necessidade do homem resgatar aquela primeira versão do homem de desejo que busca o autoconhecimento, porém, obedecendo os limites impostos pelo Cosmo em seus princípios universais. Deveríamos buscar o que Sócrates denominava de "andar entre os pilares".
De qualquer forma, a racionalização (esclarecimento ou iluminação) do homem, contribuiu para o aumento dos conhecimentos técnicos da sociedade, porém, também, diminuiu o grau de autonomia do ser e o tornou mais manipulável e menos independente.
Esse processo de subjetivação causou a desumanização do ser humano, à medida que ele busca a sua satisfação em detrimento do todo, sendo certo que os meios de comunicação, (indústria cultural) são os principais difusores de seus conhecimentos, conforme é sabido por todos, intelectuais ou não.
Assim, na busca do prazer a todo custo nas sociedades ocidentais capitalistas os Estados têm enfrentado um aumento significativo da criminalidade difusa.
Nos países desenvolvidos podemos explicar tais fenômenos a partir da subjetivação da razão na modernidade que por sua vez, se manifesta por meio do aumento da expectativa de vida, diminuição da natalidade e o aumento do desemprego.
Tais fatores agregados às circunstâncias acessórias contribuem para a situação atual nos mais diversos setores da área econômica, tais como, o consumo, finanças, economia, previdência social, etc.
Nos chamados países em desenvolvimento, além dos fatores acima explicitados, a subjetivação da razão, também, se manifesta na questão da má distribuição de renda, na descrença dos administrados em relação aos órgãos estatais e, portanto, no Estado e a ganância dos setores do clero econômico.
Em princípio, o aumento da expectativa de vida e a diminuição da natalidade são fatores benéficos ao Estado, porém, o individualismo do homem moderno desequilibra os limites ideais e, assim, causa uma diminuição de receita, pois menos administrados contribuindo e havendo aumento dos gastos, com a saúde, assistência social e previdência social em relação aos administrados mais velhos.
A questão do desemprego é um fenômeno que passou a atingir o homem moderno a partir dos avanços tecnológicos que não se preocuparam em recolocar aquele cidadão no mercado de trabalho, antes de colocar no mercado a máquina que o substituirá.
Já nos países em desenvolvimento a subjetivação da razão do ser fica ainda mais evidente pois o homem, movido pela industria cultural quer possuir os produtos que são divulgados eis que, é construído uma idéia de ser estereotipado. Assim, esse homem renegado busca a todo preço conseguir obter, consumir, as mesmas coisas que os homens de capital. Daí a questão do tempo e do espaço na modernidade líquida que comentamos no início deste trabalho acadêmico.
A descrença do ser em seu Estado dispensa comentários uma vez que é sabido que, se o homem não acredita em algo, mentalmente já há a projeção negativa de realização e nada flui devidamente. O indivíduo enxerga o Estado como sendo um "amigo falso" e, assim, na medida em que tem a primeira oportunidade tentará ganhar algum tipo de vantagem do mesmo. 
Embora todas essas características sejam suficientes para justificar a subjetivação da razão como causa jusfilosófica para o aumento da criminalidade econômica, o fator que mais a evidencia nos países em desenvolvimento é a ganância dos empresários que se submetem a prática de qualquer tipo de conduta com o fim de aumentar a receita de suas empresas, seja sonegando informações ou corrompendo os setores de fiscalização do Estado.
Esse individualismo selvagem, que neste item denominamos subjetivação da razão, como qualquer ação movida no universo demandou uma reação. No tocante à racionalização do ser resta até lógico que a natureza se revolte contra o homem individualista.
Essa revolta pode ser acompanhada diariamente nos noticiários, onde são informados desastres naturais, principalmente aqui no Brasil, que antes da Lei Ambiental de 1998 o homem via o meio ambiente apenas como mais uma fonte de arrecadação, não que tal consciência tenha mudado atualmente.
Essa "revolta da natureza" atinge o homem moderno não somente a partir de desastres naturais, mas a partir de crises sistemáticos nos mais diversos setores da sociedade. Podemos citar como exemplo na questão da criminalidade a expansão do Direito Penal de emergência, também denominado por alguns estudiosos como sendo Direito Penal inflacionário, aumento da criminalidade organizada, econômica e patrimonial, rebeliões carcerárias, implementação de ideais de origem nazista para justificar o bem comum (Direito Penal do Inimigo).
Percebam que em nenhum momento estamos sustentando que devemos voltar a "objetivação" da razão, pois isso, também, representaria um retrocesso na civilização, mas sim buscarmos uma harmonização entre as duas espécies de razão.

5. CONCLUSÃO

Destarte, tentamos trazer à baila resumidamente os principais alicerces que explicam o porquê da positivação de normas de natureza criminal que tutelem a criminalidade organizada e econômica.
Primeiramente analisamos sucintamente o "poder" como pilar fundamental que justifica a positivação das normas de combate a criminalidade econômica.
Depois, a partir do estudo da modernidade, evidenciamos a efetivação das normas de Direito Penal Econômico e a necessidade de novas reflexões e adaptações para que essa normatização atinja os anseios de uma sociedade líquida.
Finalmente, a partir da racionalização do ser, buscamos a reflexão dos fatores sociais nas civilizações do ocidente que justificam o aumento da criminalidade econômico e, por conseguinte, a necessidade da implementação de mais diretrizes legais por parte do Estado em busca da prevenção e retribuição, com a finalidade de diminuir a criminalidade. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: RCS Editora, 2005. 4ª. ed. rev. ampl.
HORKHEIMER, Max; tradução Sebastião Uchoa Leite. Eclipse da Razão. São Paulo: Centauro Editora, 2002. 
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NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual da monografia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. 4ª ed. rev. ampl. atual.
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SILVEIRA, Renato de Mello Jorge Silveira. Direito Penal Supra-Individual ? Interesses Difusos. São Paulo: Editora RT, 2003.

Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/dos-crimes-economicos-sob-os-auspicios-do-poder-modernidade-e-razao/72604/#ixzz1wsIJKkhG


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DA PRINCIPIOLOGIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Moacir Martini de Araújo


1. DO INTRÓITO

O presente trabalho acadêmico visa à reflexão sobre a principiologia do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
No mundo em que vivemos, sem harmonia, num plano em constante transformação, deparamo-nos ainda hoje com poucas reflexões diante de um tema tão atual e comentado pelos diversos setores, eis que é de suma importância para a manutenção da dignidade da pessoa humana.
Em 1990, com o advento da Lei nº 8.078, muita coisa mudou, não obstante esteja muito aquém do que ainda deva ser alterado, porém, resta claro que o legislador já avançou no sentido de se estabelecer alguma proteção jurídica.
Em que pese existam diversos doutrinadores abordando a questão do Direito do Consumidor conforme iremos explicitar no momento oportuno, resta cristalino que até os dias atuais, ou seja, dezenove anos depois da promulgação da lei, ainda não há um consenso em relação a existência e real conteúdo dos princípios de defesa das relações de consumo.
Antes de ingressarmos neste tema propriamente dito iremos analisar a origem da sistematização legal de um Estado a partir de seus valores e princípios.
Pari passu introduziremos o leitor no âmago dos princípios fundamentais previstos no artigo 1º da Constituição Federal Brasileira, reportando-os logo em seguida para a análise pormenorizada da principiologia do Código de Defesa do Consumidor.
Finda a análise individual de cada princípio elencado mais precisamente no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, passaremos a abordar as diversas correntes doutrinárias que discorrem sobre o tema, principalmente em relação à existência de tais princípios e a sua classificação no mundo jurídico.
Em relação ao interesse difuso mencionado, analisaremos a sua conceituação e classificação doutrinária de modo que, o presente trabalho acadêmico possa trazer ao leitor ao seu contexto atual.
2. DA NORMA JURÍDICA
A partir da concepção do Estado houve a necessidade de uma padronização, um controle nas ações comportamentais dos entes que sobreviviam no mesmo território.
Assim, visando garantir e impor a sua soberani,a os respectivos Estados impunham o seu conjunto de normas cogentes, dotadas de sanção e que buscavam atingir todos os administrados visando o bem comum.
Imperioso consignar que, o significado dessa expressão "bem comum" foi sendo modificado, polido e reinterpretado de acordo com a evolução das respectivas sociedades, passando de um ideal de Estado (conservador) para um ideal de ser humano (liberal). Não é por acaso que ainda hoje verificamos choques entre as gerações de juristas, pois anteriormente nossas ações eram voltadas muito mais para o Estado do que para a nossa satisfação, o revés do que ocorre hodiernamente, principalmente diante do fenômeno da pós-modernidade (para os que aceitam tal concepção).
Não faremos nesse trabalho uma análise sucinta do conceito de norma jurídica, nem de suas características, pois isso fugiria do objetivo e do objeto do presente trabalho acadêmico, porém, de rigor verificarmos que para a consecução de seus fins mister se faz a composição de um ordenamento jurídico.
Assim sendo, resta cristalino que cada Estado fará as suas normas de acordo com as suas concepções políticas, sociais, filosóficas e porque não, religiosas. A essas concepções daremos o nome de "valores".
A partir dessas concepções é que são formados os princípios e, em razão disso, surgem as regras propriamente ditas, ou melhor, as leis em sentido amplo.
Na análise do caso concreto, podem ocorrer casos de colisão entre os princípios, razão pela qual, deveremos refletir sobre os mesmos através dos chamados postulados.
Podemos concluir, portanto, que a norma jurídica (gênero) surge a partir de valores e possui como espécies: os princípios, os postulados e as regras, ou seja, as leis propriamente ditas (lato sensu).
A doutrina diverge em relação à classificação apontada neste trabalho, porém, entendemos, que esta é a mais coerente com a nossa sistemática jurídica.
Faremos, agora, um breve estudo sobre cada uma das espécies de norma jurídica, para que possamos refletir com maior teor a principiologia do Código de Defesa do Consumidor.
2.1. Dos Valores como Fundamento do Estado

Como acima aludido, valores não são espécies normativas, pois revelam os ideais dos seres humanos.
Poderíamos conceituá-los como sendo os ideais que regem seus comportamentos nas relações interssubjetivas, pois encontram-se no plano ontológico (supranormativos e não normativos).
Imperioso esclarecermos que, os valores são inerentes ao ser que já nasce com uma carga valorativa que está intimamente subjugada em sua psique. Tal carga será lapidada de acordo com o grau de sabedoria e conhecimento que o mesmo receber ao longo de sua vida, tais como, a educação familiar, a educação e sobrevivência social, os contatos culturais e multidisciplinares também são responsáveis pela concepção dos valores do ser humano.
Não é forçoso concluirmos que, a partir da evolução do homem e da sua respectiva sociedade evoluem, também, os valores daquele ser.
Podemos demonstrar facilmente isso, a partir de situações ainda recentes em nossa sociedade, tais como: a discussão acerca do aborto, da união homoafetiva, etc.
Antigamente sequer poderíamos falar nesses assuntos, que já éramos mal interpretados por nossos pares que nos subjulgavam de pervertidos e anarquistas. Hoje a situação mudou bastante, porém, ainda vivenciamos muito preconceito e hipocrisia em nossa sociedade, mas já evoluímos.
A própria concepção de bem comum, modificou como dissemos anteriormente e podendo citar como exemplo as greves das polícias civil e federal. Antigamente os policiais eram obrigados a trabalhar em situação precária, posto que deveriam preservar o Estado em detrimento da própria vida!
Hoje essa afirmativa ainda sobrevive, porém, esse Estado tem o dever de garantir meios logísticos e funcionais para que os policiais possam desempenhar o seu serviço com a eficiência que a sociedade espera. Trataremos mais sobre esse tema no momento oportuno do presente trabalho.
2.2. Dos Princípios como Espécie Normativa

Como acima mencionado, a partir da extração de seus valores, a sociedade elabora o seu arcabouço jurídico, primeiramente, através de diretrizes que determinarão as linhas que serão de forma mais concreta adimplidas pelas regras.
As normas que dizem respeito as diretrizes são chamadas de princípios. Assim, poderíamos conceituá-los como sendo normas que visam promover um "estado de coisas".
Trata-se de hipótese normativa mais abrangente do que as regras, que por sua vez descrevem os eventos de forma mais concreta e delineada. Consequentemente, essa última determina as obrigações, permissões evedações aos administrados, ao passo que os princípios, como já salientado alhures, apontam as diretrizes do sistema.
Explicitando cientificamente, os princípios possuem maior carga axiológica, maior carga de abstração e otimização do que as regras. Entretanto, uma coisa deve ficar muito clara: as regras não podem se sobrepor aos princípios, não podem inobservar o seu conteúdo sob pena de ineficácia e ilegitimidade de seu postulado.
Havendo conflito de regras, serão os princípios que irão dirimi-lo, porém havendo conflito, ou melhor, colidência entre princípios, apenas os postulados poderão resolvê-lo.
Conforme ensina o professor doutor Rizzatto Nunes:
"Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo sistema ético-jurídico, os mais importantes a ser considerados não só pelo aplicador do Direito mas também por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam. Assim estudantes, professores, cientistas, operadores do Direito advogados, juízes, promotores públicos etc. - , todos têm de, em primeiro lugar, levar em consideração os princípios norteadores de todas as demais normas jurídicas existentes.
Nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como estrela máxima do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas."[1]
Destarte, antes de analisarmos as regras, de rigor nos conscientizamos que os princípios devem seguir os valores da sociedade e, por conseguinte, as regras devem seguir os princípios, sob pena de construir um ordenamento jurídico falho, ilegítimo e ineficaz.
Mister se faz consignar que, no Brasil a própria norma tenta desvirtuar a premissa lógica acima aludida, senão vejamos: o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942) e o artigo 126 do Código de Processo Civil se apresentam com a seguinte redação, ipsis verbis:
"Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".
"Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito".
Como poderiam duas normas infraconstitucionais desvirtuarem um sistema? A resposta é fácil e lógica, não podem!
O ordenamento jurídico de qualquer país do mundo, funciona através da lógica mencionada em nosso trabalho, na primeira parte da exposição, inclusive o brasileiro, resta impróprio que alguém se valha da analogia, dos costumes, para somente depois se valer dos princípios, ainda mais os princípios gerais de Direito que fomentam por sua vez todos os ramos do Direito.
Nas palavras do professor Rizzatto Nunes, os princípios são pautados na razão ético-jurídica-universal e, portanto, concordamos com a posição da professora doutora Mirela Angelo Caldeira, no sentido que os dois dispositivos acima consignados não foram recepcionados pela nova ordem constitucional.


2.3. Da Regra como Espécie Normativa

Ab initio, necessário distinguirmos a diferença terminológica entre os termos: ordenamento jurídico e norma jurídica.
O primeiro nada mais é do que o próprio texto, enunciados, dispositivos legais, enquanto que o segundo é tudo que se aplica (postulados, princípios e regras).
Apenas para exemplificarmos, como é notório, temos o nosso ordenamento jurídico penal, dentre eles, o mais conhecido o Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940). Caso alguém venha a praticar um fato descrito naquele ordenamento a esta pessoa será aplicada a respectiva norma afeta ao caso. Com verificamos trata-se de distinção meramente terminológica.
Retornando a linha de raciocínio inerente as espécies normativas, pari passu ao acima exposto, a regra nada mais é do que a concretização dos princípios ao caso concreto.
A doutrina possui diversos critérios para distinguí-las dos princípios, porém todos concordam que os princípios descrevem eventos mais abrangentes, eis que abordam questões mais amplas, de carga axiológica muito superior as regras.
Interessante verificar que, como toda regra decorre de um princípio, o conflito entre elas será resolvido pela ponderação de princípios, como já havíamos aduzido acima.
Entretanto, se analisarmos mais friamente, verificaremos que na verdade o que pode de fato colidir, são os princípios e não as regras, posto que na pior das hipóteses resolveremos a questão das regras nos princípios.
Já no tocante aos princípios, a colidência deverá ser resolvida através da aplicação de outra espécie normativa, a qual denominaremos no presente trabalho de postulados.
2.4. Do Postulado como Espécie Normativa

Os postulados são espécies normativas ainda não reconhecidos por parte da doutrina jurídica pátria, com raríssimas exceções, como por exemplo, o professor doutor Humberto Ávila e o Ministro do Supremo Tribunal Federal, o professor doutor Eros Roberto Grau.
Fácil constatarmos a falta de reconhecimento desta espécie normativa, à medida que, aprendemos nas faculdades de Direito que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade (para quem os diferencia) são princípios e não postulados!
Conforme ensinam os mestrandos Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo e Marcos Aguiar Villas Boas, o postulado é uma metanorma, ou seja, um instrumento técnico-jurídico apto a desvendar a devida aplicação dos princípios e consequentemente das regras que existem no ordenamento jurídico.[2]
Apenas para reforçar o que afirmamos no início desse tópico, para a grande parte da doutrina pátria, tal espécie normativa não existe, sendo que para alguns nada mais é do que princípio (Willis Santiago Guerra), para outros regra (Martin Broowsky e Jan-Reinard Sieckmann), chegando até a ser considerada uma mistura entre regra e princípio.[3]
Na verdade, os postulados não possuem carga axiológica alguma, possuem, senão, conteúdo lacônico que demanda um raciocínio multifacetário, ou seja, demanda a análise das regras e princípios que norteiam o caso concreto.
Os doutrinadores baianos muito bem transcorreram sobre essa distinção no artigo acima suscitado, sustentando a autonomia dos postulados, frente aos princípios a partir dos seguintes aspectos:
"A) os postulados, ao contrário dos princípios, não obrigam ao impulsionamento de um fim, em lugar disso, organizam a aplicabilidade do dever de fomentar um fim; b) os postulados, diversamente dos princípios, não prescrevem de modo oblíquo condutas, mas um "sistema de raciocínio" e argumentação afeto a normas que mediatamente preceituam condutas; c) os postulados, em oposição às regras, não narram detalhadamente condutas, em vez disso, organizam o emprego de normas que o fazem; d) os postulados, ao contrário das regras, não requerem uma atividade de subsunção, em verdade, eles exigem a "ordenação e aplicação entre vários elementos".[4]
Os principais postulados existentes em nosso ordenamento jurídico são: os postulados da ponderação, proporcionalidade, razoabilidade e igualdade.
Apenas em relação a essa espécie normativa, muito poderia ser exposto em minúcia, porém, como o mesmo não é o objetivo do presente trabalho, visto que o nosso ordenamento é pautado nos valores e desses valores surgem os princípios, passemos a analisar os princípios fundamentais do Brasil.

3. DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS BRASILEIROS
A partir do raciocínio que desenvolvemos no item acima, a partir dos valores inerentes ao nosso povo, o nosso ordenamento supremo buscou extrair as principais características de nosso povo para, a partir daí, responder aos anseios de uma população sofrida que agüentou durante décadas autoritarismo, violência, mordaça, etc.
Foi desse contexto que surgiu a nossa atual Lei Maior, que em seu artigo 1º fez questão de consignar os princípios fundamentais de toda a sua estrutura. Esse artigo diz, in verbis:
"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
Inicialmente gostaríamos de esclarecer que o texto constitucional traz a expressão "são fundamentos" e não princípios, porém, a expressão "fundamento" possui significado de "que se funda", "de onde se embasa", "princípio", razão pela qual preferimos interpretar que o legislador quis enfatizar que tratam-se de princípios basilares, que norteiam todo o sistema constitucional e por conseguinte as demais normas.[5]
Nota-se que a preocupação do Constituinte foi enorme, que fez questão de iniciar o texto constitucional com a inserção do princípio do Estado Democrático de Direito, onde deixa bem claro que, todo o poder do Estado emana do povo, para ser exercido pelo povo e para o povo!
Também deixa evidente que se trata de uma federação, que sem exceção pautará os seus administrados nas seguintes premissas: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.
O parágrafo único vem apenas para explicitar o que o caput trouxe à baila através do princípio acima consignado.
Em relação à soberania,trata-se de um dos atributos do Estado, o mais valoroso- diga-se de passagem - pois, é a partir dele que o nosso país deixa cristalino que toma as suas decisões de forma independente. Óbvio que aqui se trata de independência política pois sabemos que no ocidente, onde o capitalismo reina soberano, nenhum país é independente economicamente.
No contexto político, social e jurídico, a soberania está ligada ao poder de autodeterminação em relação aos demais Estados do globo. A partir desse fundamento, o artigo 4º da Constituição Federal traça o perfil do Estado brasileiro em suas relações internacionais, in verbis:
"Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações".
O princípio da soberania é o responsável pelos calorosos debates jurídicos relacionados à forma de recepção dos tratados internacionais eis que, independentemente da corrente que se siga, não podemos esquecer que nosso país e, portanto, a nossa legislação, sempre será soberana.
Até mesmo quando o tratado versar sobre matéria de Direitos Humanos, caso em que as normas benéficas terão suporte constitucional pois, a própria soberania brasileira demanda a prevalência dos direitos humanos.
Em relação à cidadania, palavra essa que provém do latim "civitas", que significa "cidade", é o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. É a qualidade ou condição de cidadão; condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar, assim sendo é a qualidade das pessoas que possuem direitos civis e políticos resguardados pelo Estado.
Assim, o vínculo de cidadania estabelece direitos e obrigações da pessoa com o Estado, facultando aos cidadãos prerrogativas para o desempenho de atividades políticas (artigos 12 e 14 da Constituição Federal).[6]
O fundamento do pluralismo político, foi fruto do trauma vivenciado pela sociedade brasileira durante décadas de golpes e truculência por parte de tiranos que "vestidos em pele de carneiro" atuaram como diversos "lobos" frente aos direitos dos cidadãos.
Trata-se da possibilidade de existência de diversas linhas políticas em nosso território. Ocorre que, tal concepção foi há muito modificada e, atualmente, não vemos a concretização desse fundamento, haja vista que os políticos filiam-se à partidos por interesses particulares, muitas vezes com interesses diversos da ideologia do partido filiado, quando não, mudam posteriormente (fato espúrio que culminou com a tese denominada "fidelidade partidária").
Outro fator importante é que, nos dias atuais, as ideologias partidárias são quase idênticas, razão pela qual acreditamos que a população brasileira fica bastante confusa, com a sensação de que "todos os partidos são iguais", o que de fato destoa com os ideais constitucionalistas de 1988.
Nesse sentido, infelizmente, embora jocoso, ilustrou bem essa situação o colunista Rubem Alves, em um artigo que escreveu no caderno "Cotidiano" do jornal Folha de São Paulo de 07/07/2009, onde em síntese aduziu que "no Brasil, são muitos os partidos que, no frigir dos ovos, se reduzem a dois: o das raposas e o das galinhas". [7]
Em relação ao fundamento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, resta límpido que o Brasil "constitucionalizou" a sua opção político-econômica pelo capitalismo temperado pois à medida que busca o implemento de sua economia (lucro) não deixa de preservar o valor do trabalho, da seguridade social e dos demais valores sociais inerentes ao trabalho.
Finalmente, o artigo 1º da Lei Magna encarta o fundamento mais imperioso que deve refletir suas vibrações, nos demais pilares consignados na Constituição Federal e deles para todo o arcabouço jurídico brasileiro, trata-se da dignidade da pessoa humana.
Muito se tem debatido em relação ao fundamento suso mencionado, sendo que alguns juristas, dentre os quais a profa. Dra. Mirella Angelo Caldeira, chegam a suscitar se de fato ele seria um princípio apto a despertar valores.
Importante consignar que, em posição diametralmente oposta ao da professora acima mencionada, encontramos doutrina e inclusive julgados que já sustentam que a dignidade da pessoa humana seria princípio pois, está descrita na norma, mas também seria um verdadeiro "valor" positivado tamanha sua relevância ao ordenamento jurídico brasileiro e mundial.[8]
Longe de querermos dirimir essa questão de forma definitiva, trataremos a dignidade da pessoa humana como princípio eis que, positivado.
Importante consignarmos que esse princípio é considerado pelos doutrinadores modernos, como sendo o principal princípio consignado por nossa constituição federal, posição esta que era ocupada pelo princípio da isonomia.[9]
Os jusfilósofos explicam essa mudança, como sendo a transição da época moderna para a pós-modernidade (isso para aqueles filósofos que consideram que existe a pós-modernidade).
Contudo, no tocante ao conceito desse princípio, a maior parte da doutrina rodeia mas não chega a definir de forma objetiva esse pilar constitucional.
No entanto, o professor doutor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, é o doutrinador que melhor se aproxima do sentido e alcance do princípio visto que, vê a dignidade humana como sendo o resultado da combinação entre os valores sociais positivados no artigo 6º da Constituição Federal e o conceito de "bem ambiental", positivado no artigo 225, caput do texto constitucional, o que nos traz a idéia do denominado por ele como "piso vital mínimo"
Os artigos supramencionados dispõem, ipsis litteris:
"Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000),
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações" (grifos nossos).
O professor Fiorillo ensina que, a Constituição Federal de 1988, ao tratar do meio ambiente no artigo 225, realizou uma inovação verdadeiramente revolucionária, à medida que criou verdadeiramente um terceiro gênero de bem, cuja natureza jurídica não se confunde com os bens públicos nem tampouco com os bens privados.
A Carta Maior, adverte o livre docente, estabelece a existência de um bem que tem características específicas, a saber: ser de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, criando um novo tipo de bem jurídico o bem ambiental.[10]
E mais ainda: que um bem, ainda que não seja vivo, pode ser ambiental, à medida que seja essencial à sadia qualidade de vida de outrem, em face do que determina o artigo 225 da Constituição Federal, seja ele material ou imaterial.[11]
A partir dessa constatação, percebe-se que o artigo 6º da Lei Maior detém eficácia limitada se interpretado de forma meramente gramatical, no entanto, a partir dessa interpretação lógico-sistemática verifica-se que tais garantias foram devidamente preenchidas, resultando no tratamento digno a pessoa humana.
Não há dúvidas que a análise de tal dignidade deve ser preenchida de acordo com o caso concreto pois, o que é digno para um pode não ser para o outro, porém devemos sempre buscar a dignidade da pessoa, em todos os sentidos.

4.DA DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO/GARANTIA FUNDAMENTAL
Elencados os princípios fundamentais da nossa Constituição Federal, conforme acima sucintamente abordado, o poder constituinte fez questão de positivar direitos, garantias e deveres decorrentes desses princípios, sendo que a maior parte deles está positivada no artigo 5º da Lei Maior.
Dentre os setenta e oito incisos do artigo 5º da Constituição Federal, o inciso XXXII expressamente positivou que: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".
Pari passu ao acima exposto o artigo 48 do ADCT Atos das Disposições Constitucionais Transitórias diz que: "Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor".
Assim sendo, a partir da análise dos dois artigos constitucionais supra colacionados, podemos tirar algumas conclusões:
Como já aventamos neste trabalho, "direito" nada mais é do que uma faculdade que o próprio Estado outorga aos seus administrados para o exercício ou obtenção de algo. No que tange ao artigo sob análise, tratam-se de faculdades onde o Estado aceita a limitação de seu poder soberano frente aos administrados, visando acima de tudo a dignidade dos mesmos.
Pois bem, no tocante as garantias, tratam-se de instrumentos que o Estado coloca à disposição desses administrados para que os mesmos reclamem ao Poder Judiciário acerca do não acatamento do Direito posto que está sendo violado pelo ente soberano.
Apenas para ilustrarmos, o direito de liberdade previsto no artigo 5º, caput da Constituição Federal, é classificado como um direito, pois impede que o Estado arbitrariamente retire a liberdade de locomoção de seus administrados.
Agora se esse Estado viola esse dever, o ofendido deve se socorrer do Poder Judiciário e buscar o seu retorno ao status quo ante por meio de uma peça processual denominada pelo ordenamento constitucional de habeas corpus, que por sua vez está positivado no mesmo artigo da Constituição Federal, agora no inciso LXVIII que por sua vez prega que: "conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
Não obstante grande parte da doutrina, entre eles o professor doutor Rizzatto Nunes, entenda que o Direito do Consumidor seja um direito individual[12] pensamos que o mesmo é também uma garantia individual.
Resta cristalina essa reflexão, eis que, o constituinte ao mesmo tempo que trouxe à baila que o Estado irá tutelar as relações de consumo, consignou que o mesmo exerceria tal mister através de um codex, razão pela qual entendemos que o poder constituinte originário, também, criou ou como alguns preferem, determinou a criação do Código de Defesa do Consumidor, que possui em suasegunda parte a tutela processual difusa em âmbito civil.
Importante lembrarmos que, seja partindo do pressuposto de que o Direito do Consumidor seja direito individual, ou seja, a partir da nossa convicção que o mesmo possui natureza dupla, ou seja, é tanto um direito fundamental quanto uma garantia fundamental, o fato é que o Código de Defesa do Consumidor não pode ser alterado por simples norma infraconstitucional, muito menos por emenda.
Esse raciocínio se explica através do disposto no artigo 60, §4º da Constituição Federal que possui o seguinte teor:
"Art. 60. (...):
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais".
Destarte, em que pese existam diversos projetos de emenda constitucional visando a sua alteração da nossa constituição, inclusive alguns que pregam a supressão de grande parte de seus artigos, ensejando na sua alteração de analítica para sintética, imperioso observarmos que como a Lei nº 8.078/90 adveio de um direito ou direito/garantia individual, ela se encontra indiretamente ligada às cláusulas pétreas consignadas na Lei Maior, o que nos permite concluir que não poderá sofrer supressão alguma, senão implemento de direitos (esses inclusive por norma infraconstitucional).

5. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
5.1. Das Características e Aplicabilidade

Ab initio necessário relembrarmos, conforme fundamentado no item anterior, que a Lei Suprema determinou no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais do indivíduo, que o legislador criasse no prazo de 120 (cento e vinte) dias o Código de Defesa do Consumidor, fato esse que foi cumprido parcialmente. Dizemos isso devido a constituição ter sido promulgada em outubro de 1988 e a lei nº 8.078 adveio apenas em setembro de 1990. De todo o modo, o importante é que a premissa constitucional em termos materiais foi devidamente executada.
Logo em seu artigo 1º ela já traz enfoque as suas principais características, senão vejamos: Reza tal artigo, ipsis verbis:
"Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias"(grifos nossos).
Tendo em vista que decorre de uma nova categoria de direitos a serem tutelados, ou melhor, direito difuso posto que, intimamente relacionada ao critério de bem ambiental, conforme alhures defendido. O Código de Defesa do Consumidor é um ordenamento que suscita o interesso social, vistoque toda a coletividade tem interesse no mesmo, haja visto que todos são consumidores em potencial, desde o mais pobre até o mais abastado.
A partir de sua natureza, o próprio codex explicitou que os direitos e garantias nele previstos são de ordem pública, ou seja, cogentes e irrenunciáveis, devendo os magistrados aplicarem ex officio tais artigos diante do caso concreto. Claro que desde que existente uma relação de consumo, única hipótese de aplicação do ordenamento consumerista aqui em comento.
Aproveitando as explicações dadas acima, também podemos caracterizá-la por ser uma lei especial em relação às demais normas que disciplinam nos negócios jurídicos mantidos pelos administrados de nossa sociedade, tais como o Código Civil, o Estatuto das Cidades. Em relação ao primeiro diploma consignado importante consignar que o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma grande quebra ao princípio dos contratos previsto no Direito Civil, mais conhecido como pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes), eis que, no novel diploma, tendo em vista sua natureza difusa (interesse social) e coercitibilidade (ordem pública), esse princípio não rege as relações de consumo.
Finalmente podemos fechar o rol de características do diploma consumerista a partir de sua natureza principiológica. Isso se dá por sua razão epistemológica, decorrente de sua determinação constitucional, conforme já relatado, o que por conseguinte, também, reforça as suas regras, tanto em relação ao seu conteúdo, quanto a sua imutabilidade, conforme aduzido alhures. Trata-se na verdade, de um subsistema autônomo que terá aplicabilidade integral, inclusive diante de leis especiais, desde que devidamente reconhecido, fato que enseja a sua aplicação, ou seja, tratar-se de relação de consumo.
Nesse diapasão, nada melhor que trazermos à baila o entendimento do professor doutor, livre docente pela PUC/SP em Direito do Consumidor Rizzatto Nunes, ipsis litteris:
"Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não se tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no ordenamento jurídico, que prevalece sobre os demais exceto, claro, o próprio sistema da Constituição, como de resto qualquer norma jurídica de hierarquia inferior -, sendo aplicável às outras normas de forma supletiva e complementar".[13]
E, mais adiante, e na mesma linha, o revolucionário professor ensina:
"Como lei principiolígica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir todas e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóvel continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentem o setor (Susep, Instituto de Resseguros, etc.), porém estão tangenciados por todos os princípios e regras da lei n. 8.078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito".[14]
Mister se faz verificarmos que esse subsistema é tão relevante que a própria constituição federal quando regulamenta a livre iniciativa em nosso ordenamento pátrio, onde sustenta a política capitalista desenfreada, faz questão de limitar tal desenvolvimento do capitalismo aos direitos e garantias de terceira geração (direitos da solidariedade), mas precisamente: o meio ambiente e a defesa do consumidor (Constituição Federal, artigo 170, incisos III, V, VI e VIII).
O Código de Defesa do Consumidor na verdade, reafirma os direitos e garantias já previstas na Constituição Federal, no sentido de se dar efetivação aos mesmos, uma vez que como sabemos no Brasil tudo é positivado, porém nem tudo é devidamente efetivado.Poderíamos viver bem se nossos operadores e executores da lei fossem tementes à Constituição Federal, porém, como resta notório, não é o que acontece, seja pela razão sociológica que também dá legitimidade ao diploma aqui em comento.
Aliado a isso é essencial para o entendimento do presente trabalho, aliada a idéia acima referida, não podemos deixar de observar que, os fundamentos do direito do consumidor estão pautados no liberalismo econômico e na sociedade de massasonde os contratos plurilaterais imperam, onde as indústrias produzem para um número desenfreado de "adquirentes" que ao mesmo tempo necessitam desses produtos, feitos em grande escala para o exercício de outras atividades que movimentam a ciranda financeira/econômica do Estado, em suma, onde há a necessidade de incremento da produção na busca desenfreada pelo lucro e o Estado lucra com isso uma vez que aumentando a receita, desenvolvendo-se se tornará mais atrativo para o mercado estrangeiro.[15]
Cremos ser evidente que o Código Civil que já nasceu "maduro" visto que é fruto de um projeto do ano de 1975, mas que em pouco avançou, uma vez que trouxe em seu corpo muitos dos conceitos do antigo Código Civil de 1916, seja ineficiente e para a regulamentação dos personagens na escala de produção acima proposta.
Mais uma vez deixaremos bem claro que tudo o que está sendo ventilado depende da constatação, pois se está diante do que o diploma consumerista denomina "relação de consumo", que será por nós resumidamente delineada quando entrarmos no item relativo ao objetivo do presente trabalho, ou seja, a aplicação dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor na segurança pública.
Finalmente, importante destacarmos nesta parte do trabalho, que de todas as reflexões positivas acima apontadas, o poder constituinte andou mal apenas no tocante à denominação atribuída ao codex.
Tal conclusão decorre da simples leitura dos dispositivos do código pois se interpretarmos gramaticalmente a nomenclatura "Código de Defesa do Consumidor" entenderemos que se trata de um ordenamento cujo objetivo maior é defender o consumidor pura e simplesmente, o que não se coaduna com o espírito desta novel norma.
Na verdade, melhor seria que o código se intitulasse "Código das Relações de Consumo" pois, como já dissemos inúmeras vezes no presente trabalho, este existe para regular as relações de consumo.
Não pretendemos retirar o foco do consumidor, eis que a própria constituição lança mão do mesmo para fins de proteção. Contudo, vemos que o código apenas "passa a limpo" a relação entre consumidor e fornecedor, como decorrência do próprio princípio da boa-fé, também conhecido por parte dos doutrinadores como "princípio da confiança".
5.2 Da Principiologia do Código de Defesa do Consumidor

Após estudarmos as suas principais características, entendemos a sua lógica dentro da interpretação sistemática com o ordenamento jurídico pátrio. Agora passaremos a dissecar os princípios que o norteiam.
O Código de Defesa do Consumidor, assim como a Lei de Execução Penal, decorreu de uma precisão ímpar por parte dos legisladores, em que pese alguns entes ainda insistirem em desacatá-lo. Tanto é verdade, que se entendermos os primeiros sete artigos do codex, conseguiremos abstrair por lógica os demais artigos, trata-se de boa técnica, infelizmente rara de ser percebida nas normas em geral, seja que por desconhecimento ou por lobby político, a norma acaba virando uma "colcha de retalhos".
Os artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor definem os conceitos de "consumidor, fornecedor, produto e serviço", sendo que por critério topográfico serão abordados no próximo item do presente trabalho. Nos resta, portanto, a análise dos princípios inerentes ao código consumerista que estão arraigados no artigo 4º que instituí a Política Nacional de Consumo. Em seguida, o artigo 5º positiva a forma de execução das políticas consignadas no artigo retro e nos artigos 6º e 7º, o legislador acosta os direitos decorrentes de tal política consumerista.
Voltando a nossa atenção ao objeto do presente item, reza o artigo afeto a instituição da Política Nacional de Consumo, in verbis:
"Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
        I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
        II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
        a) por iniciativa direta;
        b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
        c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
        d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
        III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
        IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
        V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
        VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
        VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
        VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo".
Em relação à norma que vem incorporada ao caput do artigo (Lei nº 9.008/95), originou-se, tão-somente, para corrigir erro ortográfico que existia no mesmo.
Vejam que, analisando o caput do artigo mais uma vez constatamos que a política de defesa do consumidor tem como fim regularizar "as relações de consumo", o que corrobora com o acima aludido em relação ao nome do diploma aqui em comento.
Já em relação aos princípios norteadores do código, a doutrina diverge em muito em relação a enumeração dos mesmos.
Apenas por didática apresentaremos o rol dos princípios apontados por doutrinadores que mais princípios reconhecem no código, dentre eles o professor Rizzatto Nunes e após a sucinta análise dos mesmos, abordaremos os demais entendimentos doutrinários.
Pois bem, o professor Rizzatto Nunes elenca como princípios infraconstitucionais consumeristas os seguintes: dignidade, proteção à vida, saúde e segurança, interesse econômico, melhoria da qualidade de vida, proteção e necessidade, transparência, harmonia, vulnerabilidade, liberdade de escolha, intervenção do Estado, boa-fé.
O princípio da necessidade, previsto no caput do artigo em comento, prega que o consumidor possui necessidade em relação a certos produtos e serviços (alimentos básicos, remédios, serviço público) e que o mesmo deve ser atendido. Tal premissa é mais um dos fundamentos em que os consumidores podem e se valem quando se deparam com situações em que o Estado deixa faltar determinado medicamento, ou então não falta, mas o próprio Estado nega a sua entrega ao particular, o que afronta diversos princípios entre os quais o aqui estudado.
Este princípio está intimamente ligado com os artigos 1º, inciso III; 3º, I e 5º, caput, todos da Constituição Federal.
Conforme explica o professor Rizzatto:
"(...), vê-se que a norma do caput do art. 4º garante ampla proteção moral e material ao consumidor. E quando se refere à melhoria de qualidade de vida, está apontando não só o conforto material, resultado do direito de aquisição de produtos e serviços, especialmente os essenciais (imóveis, serviços públicos de transporte, água e eletricidade, gás, etc), mas também desfrute de prazeres ligados ao lazer (garantido no texto constitucional art. 6º, caput) e ao bem-estar moral ou psicológico".[16]
O princípio da dignidade, expresso também no caput do artigo 4º, decorre daquela maior, analisada no presente trabalho no item dos princípios fundamentais do Brasil, razão pela qual reportamos aquele subitem a análise da dignidade a fim de não nos tornarmos repetitivos.
Os princípios da proteção à vida, à saúde e à segurança (Código de Defesa do Consumidor, artigo 4º, caput) são decorrências do princípio da dignidade. Note-se que para ter dignidade, obviamente, o consumidor deve ter a sua vida, saúde e segurança respeitadas.
Infelizmente, por mais óbvio que pareçam tais princípios, nem sempre os mesmos são respeitados, haja visto o famoso caso do laboratório que produziu em grande escala remédio contraceptivo usando derivados de "farinha", ainda, os estabelecimentos que não contratam segurança privada nos termos da lei, colocando pessoas absolutamente despreparadas para o contato com os consumidores do local, bem como, restaurantes e lanchonetes que inobservam preceitos mínimos de limpeza e que, por conseguinte, expõem a vida e a saúde dos consumidores em risco.
O interesse econômico está relacionado a incolumidade do consumidor para que o mesmo não seja explorado economicamente pelo fornecedor, em que pese este tenha todo o direito de lucrar com o negócio mantido com o primeiro.
Pode parecer estranho estarmos escrevendo isso uma vez que, estamos em um país capitalista fervoroso, porém o código determina no caput do artigo 4º, que os interesses econômicos do consumidor sejam respeitados. Trata-se de mais um fundamento para combater a formação de cartéis, ou outra forma de agrupamento para fins de tomada no mercado econômico; trata-se, também, do princípio que sustenta a proibição de práticas abusivas em detrimento do consumidor (que por sua vez também estão positivadas ao longo do código).
Não podemos deixar de elencar, também, como decorrências do princípio aqui em estudo, a conservação do contrato de consumo, a vedação de modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais e o direito de revisão contratual para benefício do consumidor.
O princípio da melhoria da qualidade de vida pode ser conceituado como sendo a resultante da observância dos princípios da dignidade, vida, saúde, proteção, segurança, etc.
Versa o presente princípio justamente da idéia de bem ambiental que encartamos no presente trabalho como sendo a obediência ao piso vital mínimo. Partindo dessa premissa, verificaremos que o consumidor tem o direito aos implementos tecnológicos, econômicos e sociais realizados pelo fornecedor. Claro que este último reverterá em lucro as alterações prestadas em seus produtos e serviços, porém, isso é "saudável" para a economia do país, que não podemos deixar de esquecer, é capitalista, favorecendo o consumidor melhorando a sua qualidade de vida.
O princípio da transparência, previsto também no caput do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, como o próprio nome diz, induz que a relação de consumo deve se pautar na transparência e com isso na ausência de "retoques de marketing", para o fim de fechamento de negociações.
O consumidor possui o direito de conhecer previamente a consumação do negócio jurídico, os produtos e serviços que lhe são oferecidos, assim, como possui o direito de tomar conhecimento prévio do conteúdo das obrigações que está assumindo em um determinado contrato.
O princípio aqui em comento, é uma variante ao princípio constitucional da informação, positivado no artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal.
A harmonia, último princípio a ser estudado, daqueles contidos no caput do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, vem traduzir no codex o equilíbrio que deve ser mantido entre o desenvolvimento econômico e o respeito aos direitos do consumidor.
Podemos ilustrar esse princípio,com o que vem acontecendo com os produtos eletrônicos atualmente, peguemos como exemplo o aparelho celular. Cada dia que passa a indústria inventa um aparelho novo, com recursos, design, tecnologia superior (até aqui isso se mostra maravilhoso para ao consumidor), porém, resta notório que a cada modelo que passa a peça fica cada vez mais frágil, fazendo com que o consumidor acabe consumindo outro aparelho dentro de um curto espaço de tempo (certamente não tão curto a ponto do consumidor fazer valer o seu direito de garantia previsto na norma consumerista).
Essa prática econômico-industrial não é vedada, justamente porque o mercado brasileiro e mundial (para os países capitalistas), entende que essaconduta seria o "meio-termo" entre proteção ao consumidor e desenvolvimento tecnológico e econômico.
A verdade é que vivemos em um mundo capitalista, onde a riqueza é tida pelo que você consome e não pelo que você tem, razão pela qual tal prática vem sendo tão bem aceita não só em relação aos aparelhos celulares, mas a todo os demais produtos a disposição do consumidor, tais como: roupas, calçados, relógios, canetas, eletro-eletrônicos, aparelhos domésticos, veículos automotores, etc.
O princípio aqui em estudo, também, é repetido no inciso III, conforme verificaremos mais adiante, porém com outra nomenclatura que na verdade pregam os mesmos valores axiológicos (boa-fé e equilíbrio). Trata-se de princípio estreitamente ligado aos princípios constitucionais da isonomia, solidariedade e princípios gerais da atividade econômica.
O princípio da vulnerabilidade, positivado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor aduz de plano, de forma objetiva e efetiva que o consumidor é a parte mais fraca da relação consumerista.
Tal presunção de maior fragilidade se dá por dois fatores a serem destacados, a saber: o fator de produção e o fator econômico.
Muito embora, não concordamos muito com o segundo fator sustentado pela doutrina, eis que nada impede que excepcionalmente o consumidor tenha maior capacidade econômica do que o fornecedor. Podemos citar como exemplo a relação consumerista envolvendo uma pequena loja de roupas no centro da cidade de São Paulo e o empresário Silvio Santos, um dos homens mais ricos do Brasil.
Não resta dúvida que o empresário tem mais condições financeiras do que a microempresa, entretanto, Silvio é considerado pela lei de defesa do consumidor como sendo a parte mais vulnerável.
Destarte, o que de fato determina a condição de vulnerabilidade do consumidor é o fator de produção, ou seja, o consumidor não possui conhecimento técnico, científico e organizacional sobre os fatores de produção daquele determinado produto. Adrede a tudo isso, também, devemos elencar que é o fornecedor que escolhe a forma, maneira e quando irá produzir, razão pela qual o consumidor sempre estará nas mãos do mesmo.
Na mesma linha as palavras do professor Rizzatto Nunes que consigna, in verbis:
"É por isso que, quando se fala em "escolha" do consumidor", ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, os da obtenção do lucro. O segundo aspecto, o econômico, dez respeito à maior capacidade econômica que, por via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. É fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas essa é a exceção da regra geral".[17]
Depois dos comentários acima consignados resta cristalino que o princípio da vulnerabilidade decorre do princípio da isonomia, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal, que para alguns não se trata de um princípio, mas sim um postulado, conforme já explicitado no item 2.4.
Não podemos esquecer que, de acordo com o princípio da isonomia, o mais importante do texto para muitos constitucionalistas, especialmente na época da modernidade, conforme mencionamos no início do presente trabalho, conceitua a igualdade como sendo o tratamento igual para os iguais e o tratamento desigual para os desiguais. Essa é a melhor forma de buscarmos o alcance almejado pela norma.
Necessário frisarmos que antigamente, mais precisamente nas décadas de setenta e oitenta, a doutrina constitucionalista mundial tentava alcançar a igualdade através de uma busca literal da mesma, porém, com o tempo, principalmente com a pós-modernidade adveio a idéia de respeito às limitações e, por conseguinte, o implemento de condições aos mais desfavoráveis para que assim alcançassem os limites daqueles que possuem condições mais favoráveis.
O Código de Defesa do Consumidor, foi concebido de acordo com a tendência doutrinária atual o que redunda que o consumidor sempre será tratado como a parte mais frágil da relação.
Contudo, importantíssimo diferenciarmos o princípio aqui em comento do direito do consumidor à inversão do ônus da prova, previsto no inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.
Tal artigo prevê, in verbis:
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."
Trata-se de um direito que decorre indubitavelmente do princípio da vulnerabilidade, porém, sem gerar confusão pois, este traz a tona uma benesse processual para os consumidores que demonstrarem diante do caso concreto a verossimilhança de suas alegações ou quando for considerado pelo magistrado como sendo hipossuficiente.
O professor Rizzatto Nunes encarta muito bem a distinção entre vulnerabilidade com hipossuficiência:
"A vulnerabilidade, cmo vimos, é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc."[18]
Assim sendo, o que interessa no processo civil não é a fragilidade econômica, mas tão-somente a técnica (de acordo com o caso concreto). Infelizmente estamos acompanhando muitos magistrados confundirem esses dois institutos.
Todos os consumidores são vulneráveis, sendo que no processo civil alguns poderão também ser beneficiados com a inversão do ônus da prova, uma vez atendidos os requisitos acima mencionados.
Dando continuidade ao estudo da principiologia do Código de Defesa do Consumidor, temos o princípio da intervenção do Estado. Princípio este positivado no artigo 4º, incisos II e VI.
Tal pilar, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, isonomia e princípios gerais da atividade econômica, autoriza a intervenção direta do Estado para proteger efetivamente o consumidor, não só visando assegurar-lhe acesso aos produtos e serviços essenciais como para garantir a qualidade e adequação dos produtos e serviços (segurança, durabilidade e desempenho).
Esse princípio é efetivado através dos órgãos de Estado incumbidos da missão de garantir o bem comum dos brasileiros, tanto na esfera administrativa quanto na eventualmente judicial, tais como: vigilância sanitária, secretaria da Receita Federal do Brasil, Departamento de Polícia Federal, Polícia Civil, Ministério Público Estadual e Federal, Defensoria Pública estadual e federal, entre outros.
Em total consonância com o princípio aqui em comento, reza o artigo 5º do codex, ipsis litteris:
"Art. 5° - Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;
II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo;
V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.
§ 1° (Vetado).
§ 2º (Vetado)."
O parágrafo primeiro previa que, "Os Estados, Distrito Federal e Municípios manterão órgãos de atendimento gratuito para orientação dos consumidores". Contudo, foi vetado, pois no entendimento do presidente da República da época, tal disposição contrariava o princípio federativo, uma vez que impõe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a obrigação de manter determinados serviços gratuitos.
O parágrafo segundo dizia que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão fiscalizar preços e autuar os infratores, observado seu prévio tabelamento pela autoridade competente", sendo vetado, pois a presidência entendeu que cabe à lei que estabelecer o tabelamento, à vista de excepcional interesse público, indicar a autoridade competente para fiscalizá-lo. A cláusula prevista no § 2º outorga atribuição genérica, incompatível com a segurança jurídica dos administrados, pois enseja a possibilidade de ser o mesmo fato objeto de fiscalizações simultâneas pelos diferentes órgãos.[19]
O princípio do equilíbrio vem resguardar os mesmos valores do princípio da harmonia acima suscitado. Trata-se da harmonização dos interesses dos partícipes das relações de consumo, que como vimos acima, tem fundamento nos princípios maiores da isonomia e solidariedade.
Para o professor e ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, tal princípio é denominado "princípio da equidade", que significa a busca das relações jurídicas equilibradas, a busca da justiça através de um tratamento equitativo.[20]
Finalmente, o princípio da boa-fé, demanda uma explicação preliminar, devemos distinguir a boa-fé subjetiva da objetiva.
A primeira diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito. Trata-se da boa-fé adimplida em diversos dispositivos do Código Civil.
Podemos elencar como exemplo, a questão daquele sujeito que detém o bem imaginando que é o seu titular. Imaginemos que ele possua documentos que na verdade não são validos, porém ele crê piamente que tais documentos legitimam a sua posse ou propriedade, estamos diante de um caso em que o possuidor está de boa-fé (subjetiva).
Já a segunda é inerente a uma regra de conduta, dever das partes de agir conforme os parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (posição contratual equilibrada, conforme salientado alhures).
Assim, será possível garantir o desenvolvimento tecnológico e econômico e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos do consumidor.
Parte da doutrina, entre eles a professora doutora Mirella Angelo Caldeira, entendem que a boa-fé objetiva nada mais é do que o próprio princípio geral do Direito onde os administrados devem colaborar para o convívio harmônico entre seus pares, pautados na honestidade, lealdade e confiança, constatação essa decorrente da teoria do contrato social ventilada pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau.
5.2.1. Da Classificação dos Princípios do Código de Defesa do Consumidor
Realizados os estudos acima passaremos, agora, a analisar a classificação principiológica do Código de Defesa do Consumidor.
Se tivéssemos a ousadia de buscar o entendimento de todos os doutrinadores que escrevem a respeito dos princípios do código consumerista, certamente seríamos surpreendidos com as inúmeras correntes que permeiam essa classificação.
Como o presente trabalho acadêmico não nos permite esgotar o tema, buscamos os que mais refletem o sentido e alcance da norma de tutela do consumidor em nosso entendimento.
Da forma que o tópico superior foi redigido, encontraremos o respaldo do professor doutor Rizzatto Nunes, para o qual o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor de fato elenca todos aqueles princípios.
Portanto, para o professor Rizzatto, onze seriam os princípios existentes no codex aqui sob análise.
Já para os professores doutores, Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jaime Marins, seriam seis os princípios fundamentais da Política Nacional das Relações de Consumo, são eles: Princípio da Vulnerabilidade, Princípio do Dever governamental, Princípio da Garantia de Adequação, Princípio da Boa-fé nas relações de consumo, Princípio da Informação e por último o Princípio do Acesso à Justiça.[21]
No que tange a sua positivação, seguem os autores defendendo que o princípio da vulnerabilidade está consignado no artigo 4º, inciso I; o princípio do dever governamental nos incisos II, VI e VII; o princípio da garantia adequada nos incisos II, "d" e V; o princípio da boa-fé nas relações de consumo nos incisos III e VI; o princípio da informação nos incisos IV e VIII e finalmente o princípio do acesso à justiça, que não encontra positivação no texto infraconstitucional, mas que para os doutrinadores apontados seria uma decorrência dos demais em combinação com o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
Na mesma linha de raciocínio, os doutrinadores apontam que de tal decorrência exsurge o direito previsto (agora expressamente) no artigo 6º, inciso VII que diz, in verbis:
" Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;" (grifo nosso).
Façamos uma pequena abordagem em relação a esse princípio no tocante a diferenciação existente entre os termos "assistência judiciária" e "assistência jurídica".
É muito comum os operadores do Direito confundir essas duas expressões como se fossem sinônimas.
A primeira diz respeito ao pagamento de taxas e encargos judiciais, sendo que a Lei nº 1.060/50 define os critérios para aferição da gratuidade desses encargos.
Já o texto constitucional e o direito positivado no Código de Defesa do Consumidor trazem o termo "jurídica", que significa a gratuidade no assessoramento ao consumidor. No tocante a tutela preventiva esse assessoramento está à disposição de todos, não ocorrendo o mesmo no âmbito judicial eis que, apenas os consumidores necessitados estarão aptos.
Claro que tudo isso diz respeito à seara cível uma vez que, na hipótese de processo judicial, mesmo o consumidor abastado terá direito a defesa, pois nesse ramo do Direito vigora o princípio da ampla defesa que se perfaz da soma da defesa técnica e autodefesa.
Contudo, se o juiz verificar que o réu (consumidor) tinha condições financeiras de custear o seu causídico este o condenará a sucumbência, nos termos do artigo 263 do Código de Processo Penal, in verbis:
 " Art. 263.  Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação.
Parágrafo único.  O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz".
Assim, feita essa pequena, mas necessária abordagem sobre o direito ao acesso do consumidor a proteção jurídica, voltemos ao foco central do presente trabalho.
Com todo o respeito aos doutrinadores acima elencados, entendemos haver uma contradição entre o significado e conteúdo do termo "princípio" e as classificações acima apontadas.
Se de fato o princípio possui o sentido de vetor, com alta carga normativa de abstração e maior conteúdo axiomático frente às regras, será que seria condizente com a sua natureza essa enorme quantidade de princípios em uma norma infraconstitucional? Cremos que não!
Assim sendo, entendemos que na verdade o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor prevê apenas três princípios basilares que alimentam todo o seu sistema legal, quais sejam: vulnerabilidade, boa-fé e equidade.
O caput do artigo acima referido na verdade apenas garante a efetivação da norma já positivada no texto constitucional condizente com a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III).
Podemos encontrar vestígios dessa efetivação, também, no inciso II do artigo em questão.
A vulnerabilidade, que conforme já explicamos vem preencher o postulado da isonomia na sistemática da tutela do consumidor, está presente nos incisos I, II, VI, VII e VIII.
A boa-fé, por conseguinte encontra respaldo nos incisos III e VI e, finalmente. a equidade, que vem consignar a positivação e efetivação do postulado da proporcionalidade, encontra sustentação no inciso III, segunda parte.
Claro que não temos a ousadia de contrariar os doutrinadores aqui ventilados, porém, trata-se de nossa reflexão à luz das doutrinas examinadas a partir da concepção do Direito.

6. CONCLUSÃO
Para finalizarmos o presente trabalho, faz-se pertinente, neste momento, apresentar as nossas conclusões que, polêmicas ou não, podem ser aprendidas e apreendidas da leitura desta obra.
1.A norma jurídica é espécie da qual são espécies: os princípios, as regras e os postulados.
2.O princípio é uma espécie de norma de maior conteúdo abstrato, maior carga axiomática e, justamente, por isso tem o condão de simplesmente impor diretrizes que serão melhores disciplinadas pelas regras.
3.A regra é uma espécie normativa abstrata, porém com menor carga de abstração do que o princípio. Não tem o objetivo de simplesmente impor diretrizes, mas sim, tentar disciplinar, na medida do possível, fatos concretos.
4.O postulado, ainda não reconhecido pela maioria dos doutrinadores brasileiros, também é uma espécie de norma, porém, sem conteúdo, possuem valia apenas para solução de colidência entre os princípios (proporcionalidade, isonomia, razoabilidade) visto que, se o conflito ocorrer entre as regras caberá ao princípio a sua solução.
5.A atual Constituição Federal em consonância com a teoria geral do Direito que por conseqüência coaduna com a doutrina trazida à baila, elenca em seu artigo 1º os seus princípios fundamentais.
6.A existência de tal rol não implica dizer que eles são mais importantes do que outros princípios constitucionais, mas que são vetores iluminados que devem servir de orientação para os demais.
7.Com a concepção da pós-modernidade, o princípio da dignidade da pessoa humana foi mais enfatizado, sendo considerado pelos doutrinadores menos conservadores como sendo o principal vetor, antes considerado o princípio da isonomia.
8.Os direitos do consumidor possuem natureza dupla, pois podem ser considerados tanto direito como garantia fundamental do ser.
9.O Código de Defesa do Consumidor, indevidamente denominado dessa maneira pelo próprio poder constituinte, deveria ser renomeado uma vez que essa lei disciplina as relações consumeristas como um todo, logo não se enquadra em seus artigos a idéia exclusiva de proteger tão-somente o consumidor, mas também os demais atores envolvidos na relação de consumo.
10.A Lei nº 8.078/90 é uma lei principiológica, cujos dispositivos são de interesse social e de ordem pública.
11.O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor encarta a política nacional das relações de consumo, pois lança diretrizes que permearão todo o sistema, conte, portanto, os princípios legais do consumidor.
12.Não obstante às diversas correntes doutrinárias acerca dos princípios do Código de Defesa do Consumidor verificamos que, de fato o supracitado dispositivo traz apenas três princípios legais, a saber: vulnerabilidade, boa-fé e equidade, sendo os demais, efetivações de princípios já consignados na Lei Maior ou então diretrizes ligadas aos princípios nesse item mencionados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2007. 7ª edição.
[2] AZEVEDO, Bernardo Montalvão Varjão de; BÔAS, Marcos de Aguiar Villas. Reflexões sobre a proporcionalidade e suas repercussões nas ciências criminais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 74. IBCCrim e Revista dos Tribunais. set/out 2008. ano 16.
[3] Idem, ibidem.
[4] Idem. Ibidem.
[5] Dicionário Aurélio. Disponível em . Acesso em 07 jul 2009.
[6] Dicionário do Google. Disponível em:
[7] Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano. Explicando política às crianças, p. C2.
[8] MELLO, Celso de. Relatório STF, HC 85999-PA (MC). Decisão Monocrática, j. 7.6.2005 (DJU 10.6.2005).
[9] Nesse sentido: RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva. 2009. 4ª edição. p. 24.
[10] FORILLO, Celso Antônio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 85-86.
[11] Idem, p. 60.
[12] NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva. 2009. 4ª edição p. 66.
[13] Idem, p. 65.
[14] Ibidem, p. 66.
[15] BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
[16] NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor.São Paulo: Saraiva, 2009, 4ª edição. p. 128.
[17] Idem, p. 130.
[18] Ibidem, p. 782.
[19] Mensagem nº 664, de 11 de setembro de 1990. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos. Disponível em: . Acesso em 10/07/2009.
[20] GRAU, Eros Roberto. Interpretando o Código de Defesa do Consumidor: algumas notas. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 5. 1993.
[21] PINTO, Henrique Alves. Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional. Jus Navigand. Teresina. ano 8. n. 214. 5 fev. 2004. Disponível em: . Acesso em: document.write(capturado()); 13 jul. 2009.


Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/da-principiologia-do-codigo-de-defesa-do-consumidor/26872/#ixzz1wsHsGY75


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Lei nº 12.037/2009: breves considerações acerca da nova lei de identificação criminal

Moacir Martini de Araujo

No início do mês adveio a Lei nº 12.037, que de forma inequívoca efetivou a norma prevista no artigo 5º, inciso LVIII da Constituição Federal.

Quando dizemos "efetivou", na verdade, queremos sustentar que a novel norma conseguiu desta vez implementar o preceito constitucional acima asseverado à luz do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana positivado na Constituição Federal, artigo 1º, inciso III.

O inciso LVIII do artigo 5º da CF reza que "o civelmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei".

Posteriormente, adveio a Lei nº 9.034/95, que dispõe sobre os meios de investigação às organizações criminosas, cujo artigo 5º consigna que "a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente de identificação civil".

Outra norma que relativizava o direito fundamental de não ser identificado criminalmente, se identificado civilmente, era a agora expressamente revogada Lei nº 10.054/01, que excepcionava tal direito desde que: a) fosse indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; b) houvesse fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade; c) o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado pelo agente impossibilitasse a completa identificação dos caracteres essenciais do mesmo; d) constasse de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; e) houvesse registro de extravio do documento de identidade; f) o indiciado ou acusado não comprovasse, em quarenta e oito horas, sua identificação civil.

A partir do dia primeiro de outubro, a única norma que disciplina essa matéria é a norma aqui em comento – pois, conforme já apontado, revogou expressamente a Lei 10.054/01, e o seu artigo primeiro, ao dispor que "o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei", deixa cristalino que tacitamente também revogou o artigo 5º da Lei nº 9.034/95.

A nova norma também facilitou a tão questionável relação de documentos que possuem legitimidade de "identificação civil". Sustentamos isso, pois, como é sabido, tal atributo era conferido a diversos documentos cuja previsão constava em leis esparsas, o que de fato dificultava a constatação de sua veracidade. Podemos citar como exemplos a lei da cédula de identidade e o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.504/97), dentre outras.

Agora, são considerados como documentos aptos a demonstrar a identificação civil do indivíduo, nos termos do artigo 2º da nova lei: a) carteira de identidade; b) carteira de trabalho; c) carteira profissional; d) passaporte; e) carteira de identificação funcional; f) outro documento público que permita a identificação do indiciado.

Além do rol, o parágrafo único prevê que os documentos de identificação militares são equiparados aos civis.

Importante consignar que muitos servidores públicos que possuíam funcionais que não tinham validade como identificação civil, por possuírem constituição arcaica – eis que elaboradas sem os dados principais de outros documentos, tais como número do registro geral de identificação, cadastro de pessoa física e data de nascimento –, na atual conjuntura tal cártula recebeu "status" de documento de identidade civil, uma vez que se trata de carteira de identificação funcional!

O artigo 3º da norma em comento limita o direito constitucional previsto no inciso LVIII do artigo 5º nas seguintes hipóteses: a) o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; b) o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; c) o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; d) a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; e) constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; f) o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

A Lei nº 12.037/09 não menciona, como a antiga norma, que o documento em princípio deve ser original, razão pela qual resta cristalina que nada obsta que seja apresentada cópia autenticada do documento, uma vez que possui o mesmo valor que o original nos termos do artigo 232, parágrafo único do Código de Processo Penal.

Conforme afirmamos no início do presente artigo, entendemos que a atual lex vem efetivar o artigo 5º, inciso LVIII da CF, à luz do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, pois não mais se identifica criminalmente em razão do simples indiciamento ou processo do indivíduo por determinados crimes.

Agora, há a necessidade de que seja vislumbrado vício inerente ao próprio documento apresentado pelo indivíduo, o que é justo e, sobretudo, mais digno ao ser, pois, anteriormente, não havia justificativa ética para o fato de identificarmos criminalmente um sujeito processado por roubo e não adotar a mesma conduta com aquele agente que praticasse o crime de evasão de divisas. Onde estava a isonomia na antiqua lex?

Além dos vícios suspeitos inerentes ao documento, outra inovação, importante, já mencionada, diz respeito à análise do caso concreto. Ou seja, caso seja necessária a identificação do acusado, tanto o Delegado de Polícia, tanto a defesa, quanto o representante do Ministério Público, podem representar ao magistrado, que deferirá ou não a medida. A norma permite, inclusive, que o juiz aja ex officio, o que também corrobora para a tese de que o nosso sistema processual é misto, acusatório temperado ou neoinquisitorial [01]!

Mister se faz consignar que o procedimento da identificação criminal, que contempla a identificação datiloscópica e fotográfica e a formalização dos mesmos nos autos do inquérito policial e/ou processo, não sofreu alterações substanciais (artigo 2º, parágrafo único e artigo 5º, da Lei 12.037/09), fora a preocupação do legislador com o indivíduo identificado. Tanto é assim que se afirma que o artigo 4º reza que "quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado".

Outras inovações trazidas à baila pela norma em comento, que também enaltecem o princípio da dignidade da pessoa humana, dizem respeito aos artigos 6º e 7º, visto que restou vedado a menção à identificação criminal do agente identificado em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e, no caso da persecutio criminis administrativa ou judicial não serem efetivadas, por algum fator, como não oferecimento da denúncia, rejeição, absolvição (sumária ou não), é facultado ao agente identificado, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.

Destarte, entendemos que, em uma análise superficial, até em razão do tempo em vigor da norma, a mesma se encaixou devidamente aos preceitos constitucionais respaldados por um Estado Democrático de Direito, visto que tais premissas efetivam em conjunto aos princípios da inocência, devido processo legal, da respeitabilidade da intimidade e integridade física e moral do indivíduo, todos em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em 04 out. 2009.

BRASIL. Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm.Acesso em 04 out. 2009.

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BRASIL. Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12037.htm>. Acesso em 04 out. 2009.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, v. I, 3ª edição ver e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora.

Nota

1 Termo defendido pelo professor doutor Aury Lopes Júnior em sua obra DIREITO PROCESSUAL PENAL e sua Conformidade Constitucional, v. I, 3ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, p. 495.

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As alterações do instituto da prescrição (Lei nº 12.234/10). Sepultamento da prescrição retroativa e em perspectiva?

Moacir Martini de Araujo
Como é cediço, o ordenamento jurídico pátrio atribuiu ao Estado o dever de implementação de seu poder-dever de punição (jus puniendi) em consonância inclusive com os princípios da dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III) e eficiência do serviço público (Constituição Federal, artigo 37, caput), posto que, ao mesmo tempo em que o Estado não pode ficar ad eternum no encalço do investigado/acusado ele tem, também, o dever de atuar de forma eficiente para a consecução de seus fins, no caso a aplicação do Direito ao caso concreto.

Prescrição é justamente a causa de exclusão da punibilidade consistente na punição que se aplica ao Estado que foi inerte na consecução do jus puniendi no prazo fixado pela lei.

A Constituição Federal, nos incisos XLII e XLIV do artigo 5º adotou o instituto da prescrição, na medida em que consignou como crimes imprescritíveis apenas o racismo (Lei 7.716/89) e os crimes decorrentes da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito (Leis nº 7.170/83 e 9.034/95).

Assim sendo, sendo estes os únicos casos de imprescritibilidade, resta claro que os demais ilícitos penais possuem prazo prescricional, sendo, portanto, um Direito Fundamental do administrado. Nesse mesmo sentido, encontramos o artigo 9º do Decreto nº 678/92 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos "Pacto de São José da Costa Rica", de 22 de novembro de 1969).

No tocante ao ordenamento jurídico pátrio, a prescrição tratada por alguns juristas, como requisito para a constituição de crime (conceito analítico) e por outros como uma das causas de extinção da punibilidade, pode ser classificada da seguinte forma: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.

Em termos gerais - uma vez que o presente trabalho tem apenas o intento de tecer breves considerações da novel lei em comento - no cálculo da primeira espécie levaremos em consideração a pena in abstracto, ou seja, o máximo da pena privativa de liberdade aplicada ao crime que está sendo atribuído ao agente e a outra espécie, definida como pena in concreto,isso é a pena fixada pelo Juiz ao caso concreto. Em todas as hipóteses o operador do Direito deverá observar os prazos fixados no caput do artigo 109 do Código Penal.

A prescrição da pretensão punitiva, segundo a doutrina pátria, possui as seguintes subespécies: prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, prescrição intercorrente (superveniente), retroativa e, para uma parte da doutrina, ainda minoritária, a prescrição virtual (perspectiva).

A prescrição da pretensão punitiva propriamente dita é computada a partir da data da consumação da infração penal ou do último ato executório praticado, no caso da tentativa, (Código Penal, artigo 111, incisos I e II). Nessa subespécie, o agente ainda não foi julgado em primeira instância e o prazo prescricional se regula de acordo com a pena in abstracto, conforme salientado alhures.

A prescrição intercorrente (superveniente), seria aquela que ocorre no intervalo entre a condenação em primeira instância até o trânsito em julgado do feito. Nesse caso, o prazo será de acordo com a pena concreta, fixada pelo Juiz, a partir do trânsito em julgado para a acusação ou improvimento de seu recurso, conforme aduz o §1º do artigo 110 do Código Penal.

A prescrição retroativa estava prevista no § 2º do artigo 110, do Código Penal e previa o cômputo da prescrição pela pena in concreto nos mesmos moldes consignados acima, porém, observando como termo inicial a data do fato propriamente dito (Código Penal, artigo 111).

Finalmente a prescrição antecipada (virtual ou em perspectiva) é uma construção doutrinária, não muito aceita na jurisprudência, principalmente nos órgãos colegiados, no sentido de que o operador do Direito, a partir da análise do caso concreto, em verificando que, quando da condenação, pelo lapso temporal o agente será agraciado pela prescrição retroativa o operador do direito, poderia deixar de indiciar, denunciar ou condenar, uma vez que tal prescrição serviria não como causa de extinção da punibilidade, mas sim, como um instituto afeto as condições da ação (interesse processual) que por sua vez ataca a justa causa da ação penal.

Importante consignar que tal sistematização da prescrição vinha contribuindo apenas para uma coisa: a impunidade, eis que, em razão de uma fusão de problemas, tais como, a deficiência do Estado, o crescimento demográfico e habitacional desordenado e a desatualização de nossa legislação em relação aos problemas e contornos sociais, assim sendo, muitos feitos, seja na fase de investigação ou processo são fadados ao fracasso, pois, no final das contas o agente será absolvido em virtude da prescrição.

Visando a resolução desse problema, adveio a Lei nº 12.234, publicada em 06 de maio de 2010, que certamente abrandará, a largo prazo, a questão supracitada.

O legislador achou por bem, aumentar para três anos o prazo prescricional nos crimes cuja pena máxima seja inferior a um ano (artigo 2º).

Contudo, em que pese à boa intenção do legislador em diminuir a impunidade que assola a nossa sociedade, a presente lei apresenta uma falha estrutural gritante, senão vejamos: A lei em comento possui a seguinte redação, ipsis litteris:

Art. 1º  Esta Lei altera os arts. 109 e 110 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para excluir a prescrição retroativa.

Art. 2º  Os arts. 109 e 110 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:.

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

"Art. 110.  ......................................................................

§ 1º  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

§ 2º  (Revogado)." (NR)

Art. 3º  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º  Revoga-se o § 2º do art. 110 do Código Penal. (grifos do autor)

Conforme podemos ver no artigo 1º, o legislador expressamente excluiu da nossa legislação a prescrição retroativa, revogando por sua vez o §2º do artigo 110, do Código Penal (artigo 4º).

Contudo, como podemos perceber, da leitura da nova redação do §1º do artigo 110, o legislador, na verdade, agregou ao conceito de prescrição intercorrente o conceito de prescrição retroativa!

Assim, a partir de agora, havendo sentença condenatória transitada em julgado para a acusação ou sendo improvido o seu recurso, o prazo será pela pena em concreto e versará sobre o processo até o transito em julgado para as duas partes e, ao mesmo tempo, retroagirá até a data de oferecimento da denúncia ou queixa.

Na verdade, a única alteração da lei foi a não retroatividade do cômputo prescricional a partir da data do fato, mas sim, do oferecimento da denúncia ou queixa! De certo, a norma em comento fala apenas em "data anterior à denúncia ou queixa", razão pela qual, pelos critérios de hermenêutica devemos interpretar a omissão da forma mais benéfica ao acusado, o que ocorre com a consideração da data do oferecimento e não do recebimento da peça inicial.

Ademais, mister se faz consignar que, a presente norma será salutar somente a longo prazo pois, como apresentam alterações mais gravosas ao acusado, a mesma será aplicável apenas aos crimes praticados a partir do dia 06 de maio de 2010, (Constituição Federal, artigo 5º, inciso XL e Código Penal, artigo 2º, parágrafo único). Portanto, nosso país sentirá os efeitos de tal mudança apenas no futuro.

No tocante a prescrição virtual, se os tribunais já não a encaravam com bons olhos, agora será ainda pior, pois, tendo em vista a retroatividade apenas a partir da data da denuncia ou queixa entendemos que não seria possível a sua aplicação na fase de investigação ou da ação penal.

Para os seus defensores, poderíamos suscitá-la apenas nos debates (memoriais), no final do feito ou pelo magistrado em casos excepcionais (Código de Processo Penal, artigo 61). Em que pese o Superior Tribunal de Justiça já tenha firmado entendimento, em sentido contrário, conforme dispõe Súmula 438, que assim dispõe:

Súmula 438: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal".

Destarte, podemos afirmar que a nova Lei corroborada pela Súmula supracitada sepultaram de uma vez por todas a prescrição virtual. Do contrário, conforme salientado alhures não houve o sepultamento da prescrição retroativa, mas sim, uma nova roupagem em seu marco inicial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em 10 mai. 2010.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 10 de mai. 2010.

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GOMES, Luiz Flávio e MOLINA, Antônio García-Pablos de. Direito Penal: parte geral: volume 2 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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Lei nº 12.403/11: avanço ou retrocesso na busca do sistema ideal?

Moacir Martini de Araujo
resumo

O presente artigo analisa a novel Lei nº 12.403/11 e as respectivas alterações e novidades que trouxe ao título IX do Código de Processo Penal, mais precisamente no tocante às medidas cautelares de cunho penal, incluindo as prisões provisórias, liberdade provisória e fiança, de forma breve e prática à luz dos dispositivos até então vigentes em nosso Codex.

Palavras-chave: medida cautelar. Prisão preventiva. Liberdade provisória. Fiança

1. DO INTRODUÇÃO

Este mês, mais precisamente em 04 de maio de 2011, adveio a Lei nº 12.403, oriunda do Projeto de Lei nº 4.208/2001, que tentou aproximar o já desgastado Código de Processo Penal dos princípios constitucionais vigentes, que por sua vez visam a efetivação da dignidade da pessoa humana, para alguns considerada como um princípio e para outros postulado [01].

Na verdade, seguindo a tendência jusfilosófica minimalista da aplicabilidade do subsistema criminal às mazelas sociais, a novel regra traz alterações de alguns institutos que estavam gerando certa contradição entre os postulados doutrinários e os julgados dos tribunais, inclusive no âmbito da mais alta corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal, tais como as prisões e a liberdade provisória. Também ressuscita o instituto da fiança, que, em que pese nunca tenha sido revogado, na prática era pouco aplicável com a devida seriedade.

A grande novidade, com a qual concordamos de forma ampla, é com a introdução ao sistema processual penal das medidas cautelares de cunho penal.

Não que antes da presente lei elas não existissem, ao revés! Em algumas leis esparsas, como o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) e Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), já encontramos medidas de natureza cautelar que visam evitar o encarceramento provisório dos acusados em geral. [02]

Antes da presente lei, de forma excepcional, alguns magistrados fundamentavam a adoção de medidas cautelares de cunho penal em detrimento da prisão provisória, com base na aplicação subsidiária do artigo 798 do Código de Processo Civil [03].

Tal artigo reza, ipsis litteris:

"Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação." (grifos nossos).

Como não é de se estranhar, muitos doutrinadores entendiam que essa aplicação era ilegal, eis que o diploma legal não tutelava tal procedimento, tudo ocorrendo, portanto, ao arrepio da lei. Por óbvio tal tese não era adotada de forma majoritária pelos magistrados, em que pese existam muitos precedentes em tal linha de raciocínio.

2. DAS MEDIDAS CAUTELARES DE CUNHO PENAL. A PRISÃO PROVISÓRIA COMO MEDIDA DE EXCEÇÃO

A nova lei seguiu a tendência constitucional preconizada pelo artigo 5º, inciso XLVI, que positiva as penas aplicáveis em nossa legislação e pela posição topográfica, deixando claro que a privação ou restrição da liberdade deverá ser a última opção.

Positivaram-se medidas cautelares, ou seja, medidas de cunho judicial que visam resguardar a eficácia e utilidade do processo principal, visando, assim, aplicar apenas excepcionalmente a prisão processual provisória (prisão preventiva e temporária).

Os artigos 317 usque 319 trazem as medidas cautelares de cunho penal, a saber: prisão domiciliar; comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; proibição de ausentar-se da comarca ou subseção judiciária quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial e monitoramento eletrônico.

Além destas, continuam vigentes as medidas cautelares extremas de segregação, ou seja, prisão em flagrante, preventiva e temporária, esta última ainda regulamentada por lei extravagante (Lei nº 7.960/89).

Muitas dessas medidas cautelares são nossas antigas conhecidas, pois já eram previstas como condição para suspensão condicional da pena (Código Penal, artigo 77) e suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95, artigo 89), porém algumas merecem a nossa análise.

Primeiramente, a prisão domiciliar recém positivada não é a mesma aludida pelo artigo 117 da Lei de Execuções Penais, em que pese, na essência, sejam a mesma coisa. Assemelham-se, pois ambas consistem no recolhimento do sujeito, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial (Código de Processo Penal, artigo 317). Contudo destoam entre si, pois enquanto a primeira é prisão pena, a novel é prisão processual.

Também quanto aos seus requisitos verificamos distinções, eis que somente será possível a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar ao agente que for maior de 80 (oitenta) anos, ou estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave; quando for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; ou gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Deverá o juiz exigir prova idônea do motivo ensejador da substituição (Código de Processo Penal, artigo 318).

Na prisão domiciliar prevista na LEP – Lei de Execução Penal, basta que o condenado tenha 70 (setenta) anos de idade, tenha sido acometido de doença grave; que a condenada tenha filho menor ou deficiente físico ou mental (a jurisprudência tem aderido à isonomia ao condenado), bem como a condenada gestante. Notem que nos últimos casos, a presente lei é mais branda que a prisão provisória, o que já é um contrassenso, constitucionalmente falando, face à individualização da pena e a isonomia, uma vez que, se analisarmos friamente, verificaremos que está dando tratamento prejudicial ao preso provisório e beneficiando o preso que foi definitivamente condenado, o que, por conseguinte, nos leva a entender que há também violação ao princípio do estado de inocência [04].

A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro) horas (CPP, artigo 320).

Cabe destacarmos, também, a medida cautelar de suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais, o que já estava sendo aplicado implicitamente [05], em nome do princípio da moralidade da administração pública (no caso de servidores públicos) e o princípio da segurança pública (no tocante a iniciativa privada).

A internação provisória do acusado, nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, será cabível quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração. Antes da providencial alteração, tal medida cautelar só era possível tomando como base as hipóteses de interdição do Direito Civil.

O monitoramento eletrônico está regulamentado em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 12.258/10, sendo que uma de suas hipóteses está no caso de prisão domiciliar, que mutatis mutantis poderá, também, ser implementada na versão provisória das restrições a liberdade do acusado em geral, uma vez que as medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente (Código de Processo Penal, artigo 282, §1º).

Finalmente, a medida cautelar de proibição de manter contato com pessoa determinada, quando por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o acusado, em geral, dela permanecer distante. Acreditamos que essa medida será utilizada em ampla escala, principalmente nos crimes contra a pessoa.

Trata-se de um avanço na norma, visto que anteriormente guardava previsão parecida apenas na Lei Maria da Penha, tutelando, tão somente, os casos de violência doméstica.

Para a aplicação das medidas cautelares de cunho penal, deverão ser verificados de forma cumulativa os requisitos da proporcionalidade, ou seja, caberá ao magistrado identificar, diante do caso concreto, a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e a proporcionalidade, em sentido estrito da medida, através das condições pessoais do indiciado ou acusado (Código de Processo Penal, artigo 282, caput).

Por sua vez, as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes, ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público, o que derruba de uma vez por todas a tese de alguns juristas de que o delegado de polícia não possui capacidade postulatória, teoria esta já rechaçada pela Lei nº 12.016/09, conhecida como "nova lei do mandado de segurança".

Também merece nosso destaque a nova lei que veio inovar a órbita penal e efetivar o princípio do contraditório e da ampla defesa, eis que a aplicação de tais medidas será submetida à outra parte, que será intimada e receberá, por sua vez, a cópia das peças que instruíram o requerimento, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, hipótese em que o magistrado decidirá de plano inaudita altera partes (Código de Processo Penal, artigo 282, §3º).

No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.

Ainda, em razão de sua natureza rebus sic stantibus, poderá revogar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que a subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem, sendo a prisão preventiva decretada apenas em última hipótese (CPP, artigo 282, §§§4º, 5º e 6º).

Por conseguinte, além de trazer à baila as medidas cautelares, o legislador acabou revogando as prisões administrativas previstas no antigo artigo 319 [06].

3. DAS TÍMIDAS ALTERAÇÕES FRENTE À MEDIDA CAUTELAR DE PRISÃO PROVISÓRIA.

Quanto às prisões provisórias, o novel diploma legal pouco mudou, implementando, na verdade, o que já era utilizado de praxe na condução das investigações criminais e processos judiciais, bem como, de forma majoritária o quanto adotado pela jurisprudência.

No tocante as prisões executadas em território diverso do juízo responsável pela ordem, a única inovação foi a consignação de prazo para que o juiz processante providencie a remoção do preso, ou seja, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida (CPP, artigo 299, §3º).

A captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial ou por qualquer meio de comunicação tomadas pela autoridade a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta, fato este que na redação anterior só era possível se e somente se tratasse de infração inafiançável, sendo prevista como forma de comunicação apenas a telefônica (CPP, artigo 299).

Foi suprimida a expressão "sempre que possível" e, portanto, a nova regra prevê que as pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal, sendo que o militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes. (CPP, artigo 300, caput e parágrafo único).

Com exceção aos dispositivos supracitados, não houve nenhuma mudança de relevo quanto às disposições gerais das prisões.

Quanto à prisão em flagrante a nova redação do artigo 306, nada se alterou de essencial ao dispositivo anterior, eis que o mesmo já era fruto de alteração recente advinda pela Lei nº 11.449/07.

Entendemos que o acréscimo da comunicação da prisão em flagrante ao representante do Ministério Público não é novidade legal, pois a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar nº 75/93) dispõe em seu artigo 10, in verbis:

Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.

Diante do princípio da simetria, se a comunicação é positivada na esfera federal, necessário se faz que também seja implementada em âmbito estadual, razão pela qual a sua aplicabilidade apenas está positivada de forma expressa e indistinta no Codex.

Além da prisão em flagrante, o ordenamento jurídico pátrio, positiva mais duas modalidades de prisão provisória, sendo que a prisão temporária continua prevista em legislação própria, como exposto no início do presente estudo.

Quanto à prisão preventiva, a sua estrutura, processamento e cabimento não foram alterados, podendo o juiz decretá-la ex officio, o que demonstra, também, que nosso sistema processual é misto e que tal adoção não é incompatível com os preceitos constitucionais (CPP, artigos 311, 314/315).

Quanto às suas condições de admissibilidade, o instituto sofreu alterações, eis que agora somente será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; ou se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal; ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (CPP, artigo 313, caput).

Importante registrar que mais uma vez vemos cair por terra a questão da dicotomia entre as penas de reclusão e detenção.

O parágrafo único do artigo supramencionado prevê, ainda, que também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la [07], devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Além destas, de forma topograficamente equivocada, vem o parágrafo único do artigo 312, acrescentar a possibilidade de decretação da prisão preventiva na hipótese de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, oriundas das medidas cautelares descritas no primeiro item do presente estudo.

Quanto aos pressupostos da medida, ou seja, o fumus bonis juris e o periculum in mora, a nova lei não traz mudanças, cabendo apenas esclarecermos que, a gravidade do crime ainda continua sendo analisada sob a luz do caso concreto e não abstratamente, fato este que foi ratificado pela presente legis na aplicação das medidas cautelares de menor lesividade ao acusado em geral.

4. DA LIBERDADE PROVISÓRIA E FIANÇA NA NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL.

Apenas para nos situarmos diante do grande "mix" de dispositivos legais que tratam do tema, a antiga sistemática do Codex impunha que, primeiramente fosse verificado se o crime admitia ou não liberdade provisória. Atualmente, diante da ADI nº 3.112, em relação ao Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) e da nova redação da Lei nº 8.072/90 dada pela Lei nº 11.464/07 apenas a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98) e na hipótese de intensa e efetiva participação em organização criminosa (Lei nº 9.034/95) a liberdade provisória será inadmissível.

A Lei de Drogas (Lei nº 11.340/06) possui a mesma vedação, porém, como se trata de crime equiparado a hediondo, certamente seguirá o seu destino, isto é, permitirá a aplicabilidade do instituto da liberdade provisória aos seus infratores.

Após, tal análise, em sendo caso de não vedação do instituto, partíamos para a análise da liberdade provisória. Nesta verificamos, primeiramente, se o indivíduo se livra solto, conforme a redação do artigo 321, que deixará de viger após o período de vacatio legis da presente lei, que será de 60 dias após a sua publicação. Pari passu a tal regra, verificamos a aplicabilidade das normas previstas na lei que instituiu o conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Não sendo caso do parágrafo anterior, cabe ao operador do Direito constatar sobre o cabimento ou não da fiança.

Na nova sistemática processual penal, basicamente nada mudou, a não ser a positivação das demais medidas cautelares de cunho penal, conforme acima asseverado.

Portanto, em síntese, assim que o magistrado receber o auto de prisão em flagrante deverá, fundamentadamente: relaxar a prisão, na hipótese de prisão ilegal; caso seja legal, verificará sobre a possibilidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código e, se revelar inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou não sendo caso de prisão preventiva, nem de qualquer outra medida cautelar, a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (Código de Processo Penal, artigo 310, caput).

Da mesma forma que o parágrafo único do artigo 310 ainda em vigor, se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato típico, porém lícito, eis que presente uma das excludentes da ilicitude, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação, o que alguns doutrinadores denominam liberdade provisória vinculada.

Importante asseverarmos, novamente, que ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas do supramencionado art. 319 e observados os critérios constantes do art. 282.

A fiança ganhou uma nova e providencial roupagem que poderá implementar a sua efetividade no tocante ao princípio da segurança pública.

Conforme já mencionado, como a distinção entre reclusão e detenção perdeu a sua razão de ser no Direito Penal pós-moderno, nessa linha, a nova redação do artigo 322, caput e parágrafo único que prevê que, a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, sendo que nos demais casos pelo juiz prevento, que decidirá em 48h (quarenta e oito horas)independentemente de ser apenada com detenção ou reclusão, sendo tal distinção indiferente para tanto.

Quantos aos requisitos para a fiança, a sistemática persiste, ou melhor, se o caso em tela contiver qualquer das causas positivadas nos incisos dos artigos 323 e 324 a infração penal será inafiançável.

Tratam sobre o tema os novos dispositivos, ipsis litteris:

"Art. 323. Não será concedida fiança:

I - nos crimes de racismo;

II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;

III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

IV - (revogado);

V - (revogado)." (NR)

"Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;

II - em caso de prisão civil ou militar;

III - (revogado);

IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)." (NR)

Quanto ao seu valor, a fiança terá como limites os previstos no artigo 325 do CPP: de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.

Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser dispensada, na forma do art. 350 do mesmo diploma legal, reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou aumentada em até 1.000 (mil) vezes.

No mais, os artigos 334/337 e 341, 343/346 e 350 do Codex, em nada alteram a essência do instituto da fiança quanto ao momento, objeto, reforço, quebra e perda da fiança.

Na hipótese de descumprimento do beneficiado, sem fundamento para tanto, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4º do art. 282 deste Código (Código de Processo Penal, artigo 350, parágrafo único).

5. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E CONCLUSÃO

O artigo 289-A e os seus parágrafos determinam que o juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade [08], sendo que qualquer agente policial (nomenclatura que designa qualquer policial, sendo tanto a autoridade policial, quanto os agentes da autoridade) poderá efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do juiz que o expediu, sendo que mesmo sem o respectivo registro no CNJ deverá o mesmo executar a ordem, adotando-se as cautelas de estilo.

A prisão será imediatamente comunicada ao juiz do local de cumprimento da medida o qual providenciará a certidão extraída do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou.

Nestes casos o preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5º da Constituição Federal e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública.

Havendo dúvidas das autoridades locais sobre a legitimidade da pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, se aplicará o disposto no § 2º do art. 290 do CPP.

A presente lei entrará em vigência apenas em 05/07/2011, eis que publicada em 05/05/2011 e, conforme disposto no artigo 3º da regra em comento, a sua vacatio legis é de 60 (sessenta) dias.

No tocante às alterações entendemos que, se por um lado avançou sobremaneira, uma vez que aboliu a prisão administrativa, fez constar outras medidas cautelares, que auxiliarão na efetividade do processo ou da investigação, sem a necessidade de se apelar de pronto para uma medida mais traumática, tal como o cárcere provisório, por outro, revitalizou a fiança, conforme salientado alhures.

Ressalte, por oportuno que diante de um caso concreto, uma vez constatado pela autoridade policial, que a infração é de menor potencial ofensivo, deverá ser aplicado o contido no artigo 69 da Lei 9.099/95, não se aplicando a presente lei em comento, exceto na hipótese de recusa do autor dos fatos em firmar a sua assinatura no termo de comparecimento previsto no dispositivo legal supracitado.

Por outro lado, não se encaixando na situação acima, os artigos 310 e 321 do CPP ditarão qual a medida a ser adotada pelo magistrado.

De qualquer forma, ainda estamos diante de uma injustiça social. Senão vejamos: "A" foi preso por furto simples, um crime afiançável e "B" por tráfico de drogas, este inafiançável. Ambos terão direito a liberdade provisória, sendo, porém, que o primeiro acusado, a nosso ver, saiu prejudicado, pois em tese praticou um crime menos grave (por isso afiançável) e mesmo assim para ver-se livre deverá pagar fiança, o que não ocorrerá com o acusado que praticou o crime mais grave.

Na prática, os causídicos têm requerido a conversão a posteriori da liberdade provisória com fiança em sem fiança, porém, enxergamos que tal situação é no mínimo estrambótica e o legislador perdeu mais uma vez a oportunidade de corrigi-la!

Destarte, como partimos de um ponto de vista mais romântico, cremos que a novel norma cometeu mais acertos do que desacertos na normatização do título IX do Código de Processo Penal que ainda merece profundas mudanças em sua estrutura para que haja adequação do Direito à realidade social.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Moacir Martini de. As recentes alterações no Processo Penal (Leis nº 11.689/08, nº11.690/08 e nº 11.719/08). São Paulo: Lumen Juris, 2008. capítulo III.

__________. Da principiologia do Código de Defesa do Consumidor: A política nacional das Relações de Consumo e os seus princípios basilares. Revista Brasileira de Direito Civil, Constitucional e Relações de Consumo – Doutrina e Jurisprudência, n. 04, out/dez 2009. São Paulo: Ed. Fiuza.

BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: .

__________. Decreto Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>.

__________. Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12403.htm.

__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: .

__________. Superior Tribunal Federal. Disponível em: .

NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito: com exercícios – 7ª edição – São Paulo: Saraiva, 2007.

Notas

Vide comentários realizados em outro artigo jurídico onde diferenciamos a distinção entre princípio e postulado e destes com a simples regra (in ARAÚJO, Moacir Martini de. Da principiologia do Código de Defesa do Consumidor: A Política Nacional das Relações de Consumo e os seus Princípios Basilares. Revista Brasileira de Direito Civil, Constitucional e Relações de Consumo – doutrina e jurisprudência. Editora Fiuza, n. 04, ano 1 – out/dez – 2009 São Paulo. Pp. 191/227.
Aqui tal termo merece o mesmo tratamento da Constituição Federal que no anseio de atingir todas as camadas sociais e culturais pretendeu englobar em tal conceituação desde o suspeito até o condenado.
Disponível em: http://www2.unafisco.org.br/publicar/principal/texto_noticias.php?ID=3491. Acesso em 06/05/2011.
Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVII.
Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/120332/agravo-de-instrumento-agtr-19807-ce-980539828-5-trf5. Acesso em 06/05/2011.
Prisões estas que dividiam a doutrina e a jurisprudência quanto a recepção por parte da Constituição Federal de 1988.
Vide Lei nº 12.037 de 1º de outubro de 2009.
Código de Processo Penal, artigo 289A, §6º, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm. Acesso em 06/05/2011.


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Polêmica: limites no emprego da força

Por Moacir Martini de Araújo

Portaria interministerial nº 4.226/10 e o velho ditado: "Falar é fácil, fazer é o difícil". Um comando em defesa dos direitos humanos que expõe os policiais que estão arriscando as suas vidas e ainda tem de ficar inseguros, pois não sabem como agir diante das novas diretrizes, ou melhor, até sabem, mas com certeza enfrentarão problemas.

Desde o início deste ano, está vigente entre os órgãos de execução dos serviços de segurança pública afetos ao Ministério da Justiça, a Portaria Interministerial supracitada, datada de 31 de dezembro de 2012, que estabelece diretrizes sobre o uso da força na atividade policial e/ou penitenciária.
Tal ato administrativo está escorado em diversos atos normativos de direito internacional, devidamente retificados pelo Brasil, visando preservar os direitos humanos fundamentais do cidadão, tais como: o Código de Conduta para Funcionários responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio da resolução nº 349/169 de 17 de dezembro de 1979; os princípios orientadores para a aplicação efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua Resolução nº 1989/61, de 24 de maio de 1989; os princípios básicos sobre o uso da força e arma de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime; o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1999; e a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York em 10 de dezembro de 1991.
Portanto, em uma breve análise estrutural, vemos que formalmente a resolução em análise atende a todas as premissas de um ato administrativo legítimo!
No que tange ao seu conteúdo material, a presente portaria visa ao estabelecimento de diretrizes para o uso da força, seja esse uso letal ou não letal (também denominado menos letal).
Grande parte do efetivo operacional dos departamentos atingidos com o presente ato de plano criticou severamente as medidas adotadas pela portaria, fundamentando, basicamente, que a mesma "engessaria" o trabalho policial, pois impedia o uso da força.Isto não é verdade! Senão vejamos:
Basicamente, a não tão novel portaria dispõe em seu anexo I, item 3 que "os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, salvo em caso de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave".
Também, estabelece, que "não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros" (anexo I, item 4).
Mais adiante, estabelece a mesma vedação para o fim de atingir motorista de veículo que tenha desrespeitado o bloqueio policial em via pública, a não ser que haja o perigo atual ou iminente de agressão para os policiais ou terceiros (item 5).
Até aqui, não vemos novidade alguma! Esses itens objetivam apenas concretizar a regra disposta no artigo 25 do Código Penal, visando facilitar a interpretação por parte dos servidores sem formação jurídica.
O artigo em comento trata da legítima defesa, cujo reconhecimento implica na exclusão da ilicitude do fato típico, o que, por conseguinte, exclui o crime. Dispõe esse dispositivos, in verbis: "Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Assim sendo, verificamos que o uso da força não pode mais ser considerado como regra e, por consequência, o alegado "estrito cumprimento de um dever legal". Mister se faz que sejam identificados os requisitos da legítima defesa para aí sim o servidor usar da energia necessária e proporcional para fazer cessar a agressão que lhe foi irrogada.
Nesse diapasão, a presente portaria também declara como ilegítimos os chamados "disparos de advertência" e o ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de abordagem (anexo I, itens 6 e 7).
Contudo, o legislador a partir desses itens nos remete ao item 2 da portaria que deixa bem claro que, sempre que houver a necessidade do uso da força, caberá ao servidor atentar-se aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência. Quanto à abordagem policial, o próprio item 7, de forma bem objetiva, dispõe que tal prática não poderá ser rotineira e indiscriminada, o que por si só já repete a questão da moderação anteriormente referida.
A portaria, na verdade, tem o escopo de que sejam evitados verdadeiros excessos que muitas vezes são fruto de mau treinamento por parte dos policiais, como o uso da arma de fogo como tonfa ou disparos em veículos que ultrapassaram a barreira policial, sem representar qualquer risco à integridade física ou à vida dos policiais ou de terceiros.
Tudo na vida exige bom senso e a atividade policial também não é exceção para isso. Suponhamos que a polícia tenha de efetuar uma diligência em um lugar em que está sendo realizado um baile funk, obviamente que, dependendo da situação, poderá o policial efetuar um disparo de advertência, porém, sem colocar em risco qualquer pessoa, em razão do imenso barulho, pois os policiais não serão ouvidos.
Portanto, ao contrário da grande parte da massa afeta, entendemos que a presente portaria é legítima e legal, materialmente falando.
Entretanto, como tudo no sistema normativo brasileiro, nossos legisladores, em sentido amplo, criam leis, estabelecem diretrizes, porém, não as tornam efetivas, exequíveis, o que acaba sendo pior do que se não as tivessem criado. Tal conduta, por parte dos órgãos políticos, nos dá margem para pensarmos que agem dessa maneira não para resolver as questões afetas ao bem comum da população, mas sim, para apenas transparecer aos organismos internacionais que o Brasil está implementando as políticas públicas a que se obriga externamente!.
Estamos dos referindo mais especificamente aos itens 8, 14 e 15, do anexo I do referido ato administrativo.
Em síntese, o primeiro item mencionado dispõe que todo agente de segurança pública deverá portar no mínimo dois instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção, independentemente do porte ou não de arma de fogo.
Além da regulamentação do uso e consequência do uso de tais aparatos não letais (itens 9 a 13) a partir do item 14, todos do anexo I, a portaria em questão trata do treinamento que deverá ser dispensado aos policiais, durante o horário de sua jornada de trabalho (não poderá ser em dia de folga).
O artigo 2º, §1º da portaria m comento, estabelece o prazo de 90 dias a contar da publicação do presente ato para a adequação dos procedimentos operacionais, seu processo de formação e treinamento aos servidores envolvidos, sendo que, caberá, ainda, à Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça levar tal necessidade em voga para o repasse dos recursos necessários aos entes federados.
Ocorre que, até o presente momento, nada foi implementado nos órgãos referidos na presente portaria!
Importante destacar que, no tocante ao Departamento de Polícia Federal, houve a distribuição apenas de spray de pimenta, um tipo composto químico que irrita os olhos, causa lacrimejar, dor e até mesmo cegueira temporária. Sequer já fora escolhido o segundo instrumento não letal a ser utilizado!
Quanto ao treinamento, mister se faz consignar que, a Instrução Normativa nº 01/2007, que regulamenta os horários de atividade física do policial federal e qualquer outro ato análogo ligado aos demais órgãos envolvidos, não supre a lacuna deixada pela portaria, pois atividade física é consensualmente definida como todo e qualquer movimento corporal produzido pela contração músculo-esquelética, resultando num gasto energético, o que difere muito de um treinamento de armamento e tiro.
Entendemos que tal portaria interministerial está fadada ao insucesso, posto que, antes de sua existência, tímidas medidas foram adotadas para a capacitação e treinamento dos servidores com arma de fogo, o que dirá das novas recomendações.
Já passou da hora para que as autoridades públicas entendam que o bem ambiental, segurança pública necessita implementação efetiva de políticas públicas e que apenas positivar normas sem efetivá-las e torná-las exequíveis (pela falta de recursos, geralmente), somente aumenta a sensação de impunidade e indignação por parte de todos os cidadãos em relação aos poderes constituídos como um todo (Estado e polícia).
Por outro lado, tal prática expõe os policiais que estão arriscando as suas vidas e ainda têm de ficar inseguros, pois não sabem como agir diante das novas diretrizes, ou melhor, até sabem, mas certamente sofrerão problemas interna corporis para justificar o não acatamento a uma portaria que até o presente momento é inexequível no tocante aos itens supramencionados. Caberá ao então injustiçado policial apenas a reflexão sobre o ditado: "É fácil falar, o difícil é fazer diante do caso concreto!".