CIDADÃO FICA SEM SABER QUEM FAZ O QUÊ


Quem pode mais, pode menos. Se cão farejador investiga, o Ministério Público também pode investigar. Grosseiramente, alguns operadores do Direito tentam simplificar uma questão complexa. Mas a Constituição Federal diz quem faz o quê e se alguma entidade estatal age fora desse limite, a ação é ilegal. Simples assim, mas uma briga velha...

... não cessa. Alguns integrantes dos Ministérios Público Federal e Estadual querem desempenhar um trabalho que, por força da Constituição Federal , é atividade da Polícia: investigar, conduzir inquéritos, respeitadas as exceções legais.
Na prática, o cidadão comum fica sem saber quem faz o quê. Mas um diploma legal, que entre policiais vem sendo tratado como a PEC da garantia do direito do cidadão, foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania dessa Câmara dos Deputados. Por 31 votos a favor e oito contra, os parlamentares votaram pela admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional de nº 37/2011, de autoria do deputado Lourival Mendes – PTB-MA, com parecer favorável do relator, deputado Arnaldo Faria de Sá – PTB-SP, por meio da qual se objetiva a inserção de mais um parágrafo ao artigo 144 da CF, consoante o texto proposto abaixo:
“Art. 144§10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias Federal e Civil dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente. Para os delegados, a proposta decorre da necessidade de retomada da segurança jurídica para o cidadão, no que concerne à condução das investigações criminais. O termo privado é essencial para por fim à esbórnia investigatória. Para os policiais, é basilar para o equilibro e a imparcialidade no processo de realização da justiça criminal no país, desde a conduta delituosa até o trânsito em julgado da decisão decorrente, que é vedado a quem investiga também acusar; em especial pelo fato de que a apuração da infração penal é levada a efeito dentro de um âmbito inquisitorial, onde o próprio Estado a promove, deixando o efetivo contraditório para o processo penal, cuja parte acusatória é o Ministério Público”.
Com essa visão, advertem, não se pode conceber uma sociedade na qual qualquer órgão, sem expressa autorização legal, realize investigações, construa dossiês ou produza levantamentos sobre a esfera íntima do cidadão, com o condão de devassar-lhe, de maneira irreparável, a privacidade. A ideia firme de que legislador sempre adotou o sistema no qual a Polícia Judiciária é a responsável pela investigação parece clara, não obstante as investidas do Ministério Público em sentido contrário. Do mesmo modo, afirmam representantes de classe das categorias policiais, está claro o papel do Ministério Público, a que incumbe acusar, finalmente, ao Judiciário, a instância julgadora do cidadão para a realização da justiça. O sistema com tal dá segurança jurídica ao cidadão, pois a atividade da Polícia Judiciária é desenvolvida e formalizada na figura do inquérito policial e do termo circunstanciado, previstos e sistematizados na legislação processual penal, que contam com mecanismos de controle pelo Ministério Público e, precipuamente, pelo Poder Judiciário.
O Ministério Público, como parte acusadora no processo penal, não deve operar como investigador/inquisitor e produzir a prova somente para a acusação. E pior, esse mesmo promotor/inquisitor atuando, mediante instrumento não previsto em lei, sem prazo, tramitação, controle externo, forma ou fiscalização. A proposta de emenda constitucional objetiva reforçar o sistema de modo a evitar que outras instituições realizem investigações sem a devida obediência a padrões técnicos, submissão a mecanismos legais de controle e em desacordo com a processualística penal.
A aprovação preliminar da PEC gerou reação imediata do Ministério Público. É o que se infere da matéria a seguir transcrita, com nítida influência dos interessados, reverberada nos sites classistas. Para a ANPR, controle externo da atividade policial e poder de investigação do MP foram fundamentais para o sucesso da operação que prendeu Carlos Cachoeira.
Brasília (29/02/2012) – controle externo da atividade policial e pode de investigar do MP. A combinação dessas duas prerrogativas levou hoje à desarticulação de uma organização criminosa que agia há 17 anos na exploração de máquinas caça-níqueis. Durante toda a investigação, que durou cerca de 15 meses e foi feita em conjunto com a Polícia Federal, foram identificados como delegados de Polícia. Para o presidente da ANPR, Alexandre Camanho de Assis, a Operação Monte Carlo expõe a real necessidade de se manter as prerrogativas do MP, frequentemente contestadas no Congresso Nacional. “Quando as organizações criminosas conseguem se infiltrar nas entranhas das instituições policiais, o controle externo se torna imprescindível, sob pena de ver o Estado brasileiro subjugado aos desmandos de delinquentes corruptos”, justifica. Ele ressalta também que o controle externo da atividade policial é uma atribuição prevista na Constituição Federal e, por isso, existem coordenações de controle externo, na Procuradoria Geral da república e em todos os Estados do Brasil.
O mesmo se pode afirmar, segundo ele, sobre o poder de investigação do MP, que atualmente se encontra ameaçado pela Proposta de Emenda à Constituição 37, em tramitação na Câmara dos deputados. Pelo texto da PEC, a competência para investigação criminal ficaria apenas nas mãos da Polícia Judiciária – composta pelas Polícia Federal e Civil dos Estados e do Distrito Federal. “A Suprema Corte já reconheceu o poder investigatório do Ministério Público, como imperativo decorrente de suas atribuições constitucionais, especialmente quando se configure a inexistência ou ineficiência das apurações promovidas pelos órgãos policiais”, esclarece.
Operação Monte Carlos – Nesta quarta-feira, 29, procuradores da República do Ministério Público Federal de Goiás (MPF/GO), juntamente com a Polícia Federal no Distrito Federal (PF/DF), conseguiram a prisão do explorador do setor de jogos e suposto chefe da quadrilha Carlos Cachoeira, bem como de dois delegados de Polícia Federal de Goiânia; seis delegados da Polícia Civil de Goiás; três tenentes-coronéis, um capitão, um major, dois sargentos, quatro cabos e 18 soldados da Polícia Militar de Goiás; um auxiliar administrativo da polícia Federal em Brasília; um policial rodoviário federal; um agente da Polícia Civil de Goiás; e um agente da Polícia Civil de Brasília; um sargento da Polícia Militar de Brasília; um servidor da Polícia Civil de Goiás; e um servidor da Justiça Estadual de Valparaíso de Goiás. Todos recebiam propina mensal ou semanal para trabalhar em prol da organização.
De acordo com o MOF, o faturamento líquido de somente uma das casas fechadas foi de mais de R$ 3 milhões no período de seis meses. Na operação, foram fechadas quatro casas de jogos de azar em Valparaíso e duas em Goiânia. Além disso, a Operação Monte Carlos apreendeu quase 200 máquinas.

Fonte: Revista artigo 5º, edição 24, páginas 37 e 38.